Enem/2016

Questão 11462

(ENEM - 2016)

Você pode não acreditar

Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que os leiteiros deixavam as garrafinhas de leite do lado de fora das casas, seja ao pé da porta, seja na janela.

A gente ia de uniforme azul e branco para o grupo, de manhãzinha, passava pelas casas e não ocorria que alguém pudesse roubar aquilo.

Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que os padeiros deixavam o pão na soleira da porta ou na janela que dava para a rua. A gente passava e via aquilo como uma coisa normal.

Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que você saía à noite para namorar e voltava andando pelas ruas da cidade, caminhando displicentemente, sentindo cheiro de jasmim e de alecrim, sem olhar para trás, sem temer as sombras.

Você pode não acreditar: houve um tempo em que as pessoas se visitavam airosamente. Chegavam no meio da tarde ou à noite, contavam casos, tomavam café, falavam da saúde, tricotavam sobre a vida alheia e voltavam de bonde às suas casas.

Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que o namorado primeiro ficava andando com a moça numa rua perto da casa dela, depois passava a namorar no portão, depois tinha ingresso na sala da família. Era sinal de que já estava praticamente noivo e seguro.

Houve um tempo em que havia tempo.

Houve um tempo.

SANT’ANNA, A. R. Estado de Minas, 5 maio 2013 (fragmento).

Nessa crônica, a repetição do trecho “Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que...” configura-se como uma estratégia argumentativa que visa

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Questão 11464

(ENEM - 2016)

A partida de trem

Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua pequena valise. Dona Maria Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha bem-vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a um certo ponto – e o que foi não importa.

Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas para o caminho.

Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:

– A senhora deseja trocar de lugar comigo?

Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo. Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filigranado de ouro, espetado no peito, passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:

– É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?

LISPECTOR, C. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980 (fragmento).

A descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recorrente na obra de Clarice Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a)

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Questão 11465

(ENEM - 2016)

Esses chopes dourados

[...]
quando a geração de meu pai
batia na minha
a minha achava que era normal
que a geração de cima
só podia educar a de baixo
batendo
quando a minha geração batia na de vocês
ainda não sabia que estava errado
mas a geração de vocês já sabia
e cresceu odiando a geração de cima
aí chegou esta hora
em que todas as gerações já sabem de tudo
e é péssimo
ter pertencido à geração do meio
tendo errado quando apanhou da de cima
e errado quando bateu na de baixo
e sabendo que apesar de amaldiçoados
éramos todos inocentes.

WANDERLEY, J. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 (fragmento).

Ao expressar uma percepção de atitudes e valores situados na passagem do tempo, o eu lírico manifesta uma angústia sintetizada na

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Questão 11466

(ENEM - 2016)

Antiode

Poesia, não será esse
o sentido em que
ainda te escrevo:
flor! (Te escrevo:
flor! Não uma
flor, nem aquela
flor-virtude – em
disfarçados urinóis).
Flor é a palavra
flor; verso inscrito
no verso, como as
manhãs no tempo.
Flor é o salto
da ave para o voo:
o salto fora do sono
quando seu tecido
se rompe; é uma explosão
posta a funcionar,
como uma máquina,
uma jarra de flores.

MELO NETO, J. C. Psicologia da composição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997 (fragmento).

A poesia é marcada pela recriação do objeto por meio da linguagem, sem necessariamente explicá-lo. Nesse fragmento de João Cabral de Melo Neto, poeta da geração de 1945, o sujeito lírico propõe a recriação poética de

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Questão 11468

(ENEM - 2016)

TEXTO I

Entrevistadora – eu vou conversar aqui com a professora A. D. ... o português então não é uma língua difícil?

Professora – olha se você parte do princípio... que a língua portuguesa não é só regras gramaticais... não se você se apaixona pela língua que você... já domina que você já fala ao chegar na escola se o teu professor cativa você a ler obras da literatura... obras da/ dos meios de comunicação... se você tem acesso a revistas... é... a livros didáticos... a... livros de literatura o mais formal o e/ o difícil é porque a escola transforma como eu já disse as aulas de língua portuguesa em análises gramaticais.

TEXTO II

Entrevistadora – Vou conversar com a professora A. D. O português é uma língua difícil?

Professora – Não, se você parte do princípio que a língua portuguesa não é só regras gramaticais. Ao chegar à escola, o aluno já domina e fala a língua. Se o professor motivá-lo a ler obras literárias, e se tem acesso a revistas, a livros didáticos, você se apaixona pela língua. O que torna difícil é que a escola transforma as aulas de língua portuguesa em análises gramaticais.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001 (adaptado).

O Texto I é a transcrição de uma entrevista concedida por uma professora de português a um programa de rádio. O Texto II é a adaptação dessa entrevista para a modalidade escrita. Em comum, esses textos

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Questão 11469

(ENEM - 2016)


De domingo

– Outrossim...
– O quê?
– O que o quê?
– O que você disse.
– Outrossim?
– É.
– O que é que tem?
– Nada. Só achei engraçado.
– Não vejo a graça.
– Você vai concordar que não é uma palavra de todos os dias.
– Ah, não é. Aliás, eu só uso domingo.
– Se bem que parece mais uma palavra de segunda-feira.
– Não. Palavra de segunda-feira é “óbice”.
– “Ônus”.
– “Ônus” também. “Desiderato”. “Resquício”.
– “Resquício” é de domingo.
– Não, não. Segunda. No máximo terça.
– Mas “outrossim”, francamente...
– Qual o problema?
– Retira o “outrossim”.
– Não retiro. É uma ótima palavra. Aliás é uma palavra difícil de usar. Não é qualquer um
que usa “outrossim”.

VERISSIMO, L. F. Comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996 (fragmento).

No texto, há uma discussão sobre o uso de algumas palavras da língua portuguesa. Esse uso promove o(a)

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Questão 11471

(ENEM - 2016)

A principal razão pela qual se infere que o espetáculo retratado na fotografia é uma manifestação do teatro de rua é o fato de

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Questão 11472

(ENEM - 2016)

O humor e a língua

Há algum tempo, venho estudando as piadas, com ênfase em sua constituição linguística. Por isso, embora a afirmação a seguir possa parecer surpreendente, creio que posso garantir que se trata de uma verdade quase banal: as piadas fornecem simultaneamente um dos melhores retratos dos valores e problemas de uma sociedade, por um lado, e uma coleção de fatos e dados impressionantes para quem quer saber o que é e como funciona uma língua, por outro. Se se quiser descobrir os problemas com os quais uma sociedade se debate, uma coleção de piadas fornecerá excelente pista: sexualidade, etnia/raça e outras diferenças, instituições (igreja, escola, casamento, política), morte, tudo isso está sempre presente nas piadas que circulam anonimamente e que são ouvidas e contadas por todo mundo em todo o mundo. Os antropólogos ainda não prestaram a devida atenção a esse material, que poderia substituir com vantagem muitas entrevistas e pesquisas participantes. Saberemos mais a quantas andam o machismo e o racismo, por exemplo, se pesquisarmos uma coleção de piadas do que qualquer outro corpus

POSSENTI, S. Ciência Hoje, n. 176, out. 2001 (adaptado).

A piada é um gênero textual que figura entre os mais recorrentes na cultura brasileira, sobretudo na tradição oral. Nessa reflexão, a piada é enfatizada por

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Questão 11477

(ENEM - 2016)

TEXTO I

TEXTO II

Tenho um rosto lacerado por rugas secas e profundas, sulcos na pele. Não é um rosto desfeito, como acontece com pessoas de traços delicados, o contorno é o mesmo mas a matéria foi destruída. Tenho um rosto destruído.

DURAS, M. O amante. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

Na imagem e no texto do romance de Marguerite Duras, os dois autorretratos apontam para o modo de representação da subjetividade moderna. Na pintura e na literatura modernas, o rosto humano deforma-se, destrói-se ou fragmenta-se em razão

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Questão 11480

(ENEM - 2016)

L.J.C.

– 5 tiros?
– É.
– Brincando de pegador?
– É. O PM pensou que...
– Hoje?
– Cedinho.

COELHO, M. In: FREIRE, M. (Org.). Os cem menores contos brasileiros do século. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.

Os sinais de pontuação são elementos com importantes funções para a progressão temática. Nesse miniconto, as reticências foram utilizadas para indicar

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