(UERJ 2014/1)
O tempo em que o mundo tinha a nossa idade
5Nesse entretempo, ele nos chamava para escutarmos seus imprevistos improvisos. 1As estórias dele faziam o nosso lugarzinho crescer até ficar maior que o mundo. Nenhuma narração tinha fim, o sono lhe apagava a boca antes do desfecho.9Éramos nós que recolhíamos seu corpo dorminhoso. 6Não lhe deitávamos dentro da casa: ele sempre recusara cama feita.10Seu conceito era que a morte nos apanha deitados sobre a moleza de uma esteira. Leito dele era o puro chão, lugar onde a chuva também gosta de deitar. Nós simplesmente lhe encostávamos na parede da casa. Ali ficava até de manhã. Lhe encontrávamos coberto de formigas. Parece que os insectos gostavam do suor docicado do velho Taímo. 7Ele nem sentia o corrupio do formigueiro em sua pele.
− Chiças: transpiro mais que palmeira!
Proferia tontices enquanto ia acordando. 8Nós lhe sacudíamos os infatigáveis bichos. Taímo nos sacudia a nós, incomodado por lhe dedicarmos cuidados.
2Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos transabertos. Como dormia fora, nem dávamos conta. Minha mãe, manhã seguinte, é que nos convocava:
− Venham: papá teve um sonho!
3E nos juntávamos, todos completos, para escutar as verdades que lhe tinham sido reveladas. Taímo recebia notícia do futuro por via dos antepassados. Dizia tantas previsões que nem havia tempo de provar nenhuma. Eu me perguntava sobre a verdade daquelas visões do velho, estorinhador como ele era.
− Nem duvidem, avisava mamã, suspeitando-nos.
E assim seguia nossa criancice, tempos afora. 4Nesses anos ainda tudo tinha sentido: a razão deste mundo estava num outro mundo inexplicável. 11Os mais velhos faziam a ponte entre esses dois mundos. (...)
Mia Couto
Terra sonâmbula. São Paulo, Cia das Letras, 2007.
Este texto é uma narrativa ficcional que se refere à própria ficção, o que caracteriza uma espécie de metalinguagem. A metalinguagem está melhor explicitada no seguinte trecho:
"As estórias dele faziam o nosso lugarzinho crescer até ficar maior que o mundo." (l. 1-2)
"Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos transabertos." (l. 12)
"E nos juntávamos, todos completos, para escutar as verdades que lhe tinham sido reveladas." (l. 15)
"Nesses anos ainda tudo tinha sentido: "(l. 20)
Gabarito:
"As estórias dele faziam o nosso lugarzinho crescer até ficar maior que o mundo." (l. 1-2)
Este texto é uma narrativa ficcional que se refere à própria ficção, o que caracteriza uma espécie de metalinguagem. A metalinguagem está melhor explicitada no seguinte trecho:
"As estórias dele faziam o nosso lugarzinho crescer até ficar maior que o mundo." (l. 1-2)Comentário: alternativa correta. No texto em análise, sabe-se que o personagem do pai conta estórias dentro de uma estória, isto é, dentro de um conto do Mia Couto, o que se explicita no trecho: “As estórias dele faziam o nosso lugarzinho crescer até ficar maior que o mundo.”, percebe-se, portanto, o comentário do trecho dentro da própria estória narrada.
"Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos transabertos." (l. 12)Comentário: alternativa incorreta. Não há presença explícita da metalinguagem na frase da alternativa B.
"E nos juntávamos, todos completos, para escutar as verdades que lhe tinham sido reveladas." (l. 15)Comentário: alternativa incorreta.Não há presença explícita da metalinguagem na frase da alternativa C.
"Nesses anos ainda tudo tinha sentido: "(l. 20)Comentário: alternativa incorreta.Não há presença explícita da metalinguagem na frase da alternativa D.
(Uerj 2015)
SEPARAÇÃO
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.
nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. (ref. 14)
O trecho sublinhado reformula uma expressão anterior.
Essa reformulação explicita a seguinte relação de sentido:
Ver questão
(UERJ - 2015)
SEPARAÇÃO
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.
Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. (ref. 8)
Neste trecho, existe um contraste que busca acentuar o seguinte traço relativo à mulher amada:
Ver questão
(UERJ - 2015)
SEPARAÇÃO
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.
A hipérbole é uma figura empregada na crônica de Vinícius de Morais para caracterizar o estado de ânimo do personagem.
Esta figura está exemplificada em:
Ver questão
(Uerj 2015)
SEPARAÇÃO
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.
Uma metáfora pode ser construída pela combinação entre elementos abstratos e concretos.
No texto, um exemplo de metáfora que se constrói por esse tipo de combinação é:
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