João Gilberto Noll nasceu em Porto Alegre, no ano de 1946. Além de contista e romancista, fez incursões pela literatura infantil. Ganhou cinco prêmios Jaboti. João Gilberto Noll faz uma literatura caracterizada pela dissolução. Seus romances são concisos e apresentam enredos episódicos sustentados pela causalidade. Essa técnica difere da técnica narrativa que estabelece o elo entre o real e o ficcional. Os personagens de Noll são seres não localizados e alijados da experiência; muito embora lançados numa sucessão frenética de acontecimentos e passando por um sem número de lugares, o que vivem não se converte em saber, em consciência de ser e de estar no mundo.
Duelo antes da noite
1No caminho a menina pegou uma pedra e atirou-a longe, o mais que pôde. 2O menino puxava a sua mão e reclamava da vagareza da menina. 3Deviam chegar até a baixa noite a Encantado, e o menino sabia que ele era responsável pela menina e deveria manter uma disciplina. Que garota chata, ele pensou. Se eu fosse Deus, não teria criado as garotas, seria tudo homem igual a Deus. 4A menina sentia-se puxada, reclamada, e por isso emitia uns sons de ódio: graças a Deus que eu não preciso dormir no mesmo quarto que você, graças a Deus que eu não vou morar nunca mais com você. Vamos e não resmunga, exclamou o menino. 5E o sol já não estava sumindo? Isso nenhum dos dois perguntava porque estavam absortos na raiva de cada um. A estrada era de terra e por ela poucos passavam. Nem o menino nem a menina notavam que o sol começava a se pôr e que os verdes dos matos se enchiam cada vez mais de sombras. Quando chegassem a Encantado o menino poria ela no Opala do prefeito e ela nunca mais apareceria. Ele não gosta de mim, pensou a menina cheia de gana. Ele deve estar pensando: o mundo deveria ser feito só de homens, as meninas são umas chatas. 6O menino cuspiu na areia seca. A menina pisou sobre a saliva dele e fez assim com o pé para apagar cuspe.
7Até que ficou evidente a noite. 8E o menino disse a gente não vai parar até chegar em Encantado, 9agora eu proíbo que você olhe pros lados, que se atrase. 10A menina não queria chorar e prendia-se por dentro porque deixar arrebentar uma lágrima numa hora dessas é mostrar muita fraqueza, é mostrar-se muito menina. E na curva da estrada começaram a aparecer muitos caminhões apinhados de soldados e a menina não se conteve de curiosidade. 11Para onde vão esses soldados? – ela balbuciou. 12O menino respondeu ríspido. Agora é hora apenas de caminhar, de não fazer perguntas, caminha! A menina pensou eu vou parar, fingir que torci o pé, eu vou parar. E parou. O menino sacudiu-a pelos ombros até deixá-la numa vertigem escura. Depois que a sua visão voltou a adquirir o lugar de tudo, ela explodiu chamando-o de covarde. Os soldados continuavam a passar em caminhões paquidérmicos. E ela não chorava, apenas um único soluço seco. 13O menino gritou então que ela era uma chata, que ele a deixaria sozinha na estrada que estava de saco cheio de cuidar de um traste igual a ela, que se ela não soubesse o que significa traste, que pode ter certeza que é um negócio muito ruim. A menina fez uma careta e tremeu de fúria. Você é o culpado de tudo isso, a menina gritou. Você é o único culpado de tudo isso. Os soldados continuavam a passar.
Começou a cair o frio e a menina tiritou balançando os cabelos molhados, mas o menino dizia se você parar eu te deixo na beira da estrada, no meio do caminho, você não é nada minha, não é minha irmã, não é minha vizinha, não é nada.
E Encantado era ainda a alguns lerdos quilômetros. A menina sentiu que seria bom se o encantado chegasse logo para se ver livre do menino. Entraria no Opala e não olharia uma única vez pra trás para se despedir daquele chato.
Encantado apareceu e tudo foi como o combinado. Doze e meia da noite e o Opala esperava a menina parado na frente da igreja. Os dois se aproximaram do Opala tão devagarinho que nem pareciam crianças. O motorista bigodudo abriu a porta traseira e falou: pode entrar, senhorita. Senhorita... o menino repetia para ele mesmo. A menina se sentou no banco traseiro. Quando o carro começou a andar, ela falou bem baixinho: eu acho que vou virar a cabeça e olhar pra ele com uma cara de nojo, vou sim, vou olhar. E olhou. Mas o menino sorria. E a menina não resistiu e sorriu também. E os dois sentiram o mesmo nó no peito.
NOLL, João Gilberto. In: Romances e contos reunidos.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 690-692. (Texto adaptado).
Segundo Massaud Moisés, o conto é, do ponto de vista dramático, univalente: contém um só drama, uma só história, um só conflito (oposição, luta entre duas forças ou personagens), uma só ação. As outras características (limitação do espaço e do tempo; quantidade reduzida de personagens; unidade de tom ou de emoção provocada no leitor, concisão de linguagem) decorrem da unidade dramática.
Com base nessas informações, resolva a(s) questão(ões) a seguir.
(Uece 2016) Como sabemos pela lição de Massaud Moisés, o conto deve desenvolver um único conflito, entendendo-se por conflito a oposição ou a luta entre duas forças e/ou personagens.
Sobre “Duelo antes da noite”, é correto dizer que o conflito se dá entre
Gabarito:
o menino e a menina, que pareciam estar em polos opostos: um discordava do outro, ofendiam-se como inimigos mortais. Talvez não tivessem nem consciência do motivo que os levava a agir daquele modo.
Resolução:
(UECE - 2014)
Os dois superlativos (ref. 2 e 3) emprestam ao poema um tom de
O portão fica bocejando, aberto
para os alunos retardatários.
Não há pressa em viver
nem nas ladeiras duras de subir,
1quanto mais para estudar a insípida cartilha.
Mas se o pai do menino é da oposição,
à 2ilustríssima autoridade municipal,
prima por sua vez da 3sacratíssima
autoridade nacional,
4ah, isso não: o vagabundo
ficará mofando lá fora
e leva no boletim uma galáxia de zeros.
A gente aprende muito no portão fechado.
ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Poesia e Prosa. Editora Nova Aguilar:1988. p. 506-507.
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(Uece 2014) Atente para as seguintes afirmações sobre alguns dos elementos do texto.
O texto a seguir é um excerto retirado do primeiro parágrafo do artigo de opinião “Com um braço só”, escrito por J. R. Guzzo, que trata da corrupção na política. 1Um dos aspectos menos atraentes da personalidade humana é a tendência de muitas pessoas de só condenar os vícios que não praticam, ou pelos quais não se sentem atraídas. Um caloteiro que não fuma, não bebe e não joga, por exemplo, é frequentemente a voz que mais grita contra o cigarro, a bebida e os cassinos, mas fecha a boca, os ouvidos e os olhos, como 6os três prudentes macaquinhos orientais, quando o assunto é honestidade no pagamento de dívidas pessoais. É a velha história: 2o mal está 4sempre na alma dos outros. Pode até ser verdade, 5infelizmente, quando se trata da política brasileira, em que continua valendo, mais do que nunca, a máxima popular do 3“pega um, pega geral”.
Extraído do artigo ”Com um braço só”, de J.R. Guzzo. VEJA. 21/08/2013.
I. Os gramáticos modernos distinguem os advérbios frásicos (aqueles advérbios que modificam um elemento da frase, como em Ele correu muito.) dos advérbios extrafrásicos (aqueles que são exteriores à frase, estão no âmbito da enunciação, como em Ele, naturalmente, passou de primeira, não foi?). Esse segundo grupo congrega os advérbios avaliativos, isto é, que indicam uma avaliação do enunciador acerca do conteúdo enunciado. No texto em estudo, temos um advérbio frásico (ref. 4): “sempre”; e um advérbio extrafrásico (ref. 5): “infelizmente”.
II. Na expressão “os três prudentes macaquinhos orientais” (ref. 6), o artigo definido “os” confere a “três macaquinhos orientais” o status de informação conhecida.
III. O texto, embora constitua apenas um excerto do parágrafo original, apresenta a estrutura paragráfica canônica: tópico frasal ou introdução, desenvolvimento e conclusão.
Está correto o que se diz em
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(UECE - 2008)
Assinale a alternativa em que todas as expressões destacadas têm valor de adjetivo.
A MEMÓRIA E O CAOS DIGITAL
Fernanda Colavitti
2A era digital trouxe inovações e facilidades para o homem que superou de longe o que 16a ficção previa até pouco tempo atrás. 1Se antes precisávamos correr em busca de informações de nosso interesse, hoje, úteis ou não, elas é que nos assediam: resultados de loterias, dicas de cursos, variações da moeda, ofertas de compras, notícias de atentados, ganhadores de gincanas, etc. 11Por outro lado, 6enquanto cresce a capacidade dos discos rígidos e a velocidade das informações, o desempenho da memória humana está ficando cada vez mais comprometido. Cientistas são unânimes ao associar 3a rapidez das informações geradas pelo mundo digital com a restrição de nosso "disco rígido" natural. 10Eles ressaltam, porém, que 7o problema não está propriamente 4nas novas tecnologias, mas 5no uso exagerado delas, o que faz com que deixemos de lado atividades mais estimulantes, como a leitura, que envolvem diversas funções do cérebro. Os mais prejudicados por esse processo têm sido crianças e adolescentes, cujo desenvolvimento neuronal acaba sendo moldado preguiçosamente. Responda sem pensar: qual era a manchete do jornal de ontem? Você lembra o nome da novela que 12antecedeu o Clone? E quem era o técnico da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1994? Não ter uma resposta imediata para essas perguntas não deve ser causa de preocupação para ninguém, mas exemplifica bem o problema constatado pela fonoaudióloga paulista Ana Maria Maaz Alvarez, que há mais de 20 anos estuda a relação entre audição e recordação. A pedido de duas empresas, 8ela realizou uma pesquisa para saber o que estava ocorrendo com os funcionários que reclamavam com frequência de lapsos de memória. Foram entrevistados 71 homens e mulheres, com idade de 18 e 42 anos. 9A maioria dos esquecimentos era de natureza auditiva, como nomes que acabavam de ser ouvidos ou assuntos discutidos. (Por falar nisso, responda sem olhar no parágrafo anterior: você lembra o nome da pesquisadora citada?) Ana Maria 13descobriu que os lapsos de memória resultavam basicamente do excesso de informação em consequência do tipo de trabalho que essas pessoas exerciam nas empresas, e do pouco tempo que 14dispunham para processá-las, somados à angústia de querer saber mais e ao excesso de atribuições. "Elas não se detinham no que estava sendo dito (lido, ouvido ou visto) e, consequentemente, não 15conseguiam gravar os dados na memória", afirma.
(Fonte Internet: Superinteressante, 2001).
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(UECE-2007)
A PEDREIRA
Daí à pedreira, restavam apenas uns cinqüenta passos e o chão era já todo coberto por uma farinha de pedra moída que sujava como a cal.
Aqui, ali, por toda a parte, encontravam-se trabalhadores, uns ao sol, outros debaixo de pequenas barracas feitas de lona ou de folha de palmeira. De um lado cunhavam pedra cantando; de outro a quebravam a picareta; de outro afeiçoavam lajedos a ponta de picão; mais adiante faziam paralelepípedos a escopro e macete. E todo aquele retintim de ferramentas, e o martelar da forja, e o corpo dos que lá em cima brocavam a rocha para lançar-lhe fogo, e a surda zoada ao longe, que vinha do cortiço, como de uma aldeia alarmada; tudo dava a idéia de uma atividade feroz, de uma luta de vingança e de ódio. Aqueles homens gotejantes de suor, bêbedos de calor, desvairados de insolação, a quebrarem, a espicaçarem, a torturarem a pedra, pareciam um punhado de demônios revoltados na sua impotência contra o impassível gigante que os contemplava com desprezo, imperturbável a todos os golpes e a todos os tiros que lhe desfechavam no dorso, deixando sem um gemido que lhe abrissem as entranhas de granito. O membrudo cavouqueiro havia chegado à fralda do orgulhoso monstro de pedra; tinha-o cara a cara, mediu-o de alto a baixo, arrogante, num desafio surdo.
A pedreira mostrava nesse ponto de vista o seu lado mais imponente. Descomposta, com o escalavrado flanco exposto ao sol, erguia-se altaneira e desassombrada, afrontando o céu, muito íngreme, lisa, escaldante e cheia de cordas que, mesquinhamente, lhe escorriam pela ciclópica nudez com um efeito de teias de aranha. Em certos lugares, muito alto do chão, lhe haviam espetado alfinetes de ferro, amparando, sobre um precipício, miseráveis tábuas que, vistas cá de baixo, pareciam palitos, mas em cima das quais uns atrevidos pigmeus de forma humana equilibravamse, desfechando golpes de picareta contra o gigante.
(AZEVEDO, Aluísio de. O Cortiço. 25a ed. São Paulo. Ática, 1992, 48-49)
Marque a alternativa na qual o sufixo eiro/eira está empregado com o mesmo sentido que em “pedreira” (linha 01).
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