Questão 33943

(IME - 2018/2019 - 2ª FASE) 

Texto 2

O ELEFANTE

1 Fabrico um elefante
  de meus poucos recursos.
  Um tanto de madeira
  tirado a velhos móveis
5 talvez lhe dê apoio.
  E o encho de algodão,
  de paina, de doçura.
  A cola vai fixar
  suas orelhas pensas.
10 A tromba se enovela,
  é a parte mais feliz
  de sua arquitetura.
   
  Mas há também as presas,
  dessa matéria pura
15 que não sei figurar.
  Tão alva essa riqueza
  a espojar-se nos circos
  sem perda ou corrupção.
  E há por fim os olhos,
20 onde se deposita
  a parte do elefante
  mais fluida e permanente,
  alheia a toda fraude.
   
  Eis o meu pobre elefante
25 pronto para sair
  à procura de amigos
  num mundo enfastiado
  que já não crê em bichos
  e duvida das coisas.
30 Ei-lo, massa imponente
  e frágil, que se abana
  e move lentamente
  a pele costurada
  onde há flores de pano
35 e nuvens, alusões
  a um mundo mais poético
  onde o amor reagrupa
  as formas naturais.
   
  Vai o meu elefante
40 pela rua povoada,
  mas não o querem ver
  nem mesmo para rir
  da cauda que ameaça
  deixá-lo ir sozinho.
   
45 É todo graça, embora
  as pernas não ajudem
  e seu ventre balofo
  se arrisque a desabar
  ao mais leve empurrão.
50 Mostra com elegância
  sua mínima vida,
  e não há cidade
  alma que se disponha
  a recolher em si
55 desse corpo sensível
  a fugitiva imagem,
  o passo desastrado
  mas faminto e tocante.
  Mas faminto de seres
60 e situações patéticas,
  de encontros ao luar
  no mais profundo oceano,
  sob a raiz das árvores
  ou no seio das conchas,
65 de luzes que não cegam
  e brilham através
  dos troncos mais espessos.
  Esse passo que vai
  sem esmagar as plantas
70 no campo de batalha,
  à procura de sítios,
  segredos, episódios
  não contados em livro,
  de que apenas o vento,
75 as folhas, a formiga
  reconhecem o talhe,
  mas que os homens ignoram,
  pois só ousam mostrar-se
  sob a paz das cortinas
80 à pálpebra cerrada.
   
  E já tarde da noite
  volta meu elefante,
  mas volta fatigado,
  as patas vacilantes
85 se desmancham no pó.
  Ele não encontrou
  o de que carecia,
  o de que carecemos,
  eu e meu elefante,
90 em que amo disfarçar-me.
  Exausto de pesquisa,
  caiu-lhe o vasto engenho
  como simples papel.
  A cola se dissolve
95 e todo o seu conteúdo
  de perdão, de carícia,
  de pluma, de algodão,
  jorra sobre o tapete,
  qual mito desmontado.
100 Amanhã recomeço.

ANDRADE, Carlos Drummond de. O Elefante. 9ª ed. - São Paulo: Editora Record, 1983.

A conjunção “mas” que se repete nas estrofes do texto 2 nos versos 41, 58, 59, 77 e 83

A

exprime consequência de uma árdua tarefa dada ao elefante que, de tanto pesquisar, ficou exausto.

B

tem na verdade uma função aditiva: embora sua forma seja a de uma adversativa, apenas liga as ideias dando continuidade e sequência ao texto.

C

traz em si uma ideia de compensação como na oração “não era bonito, mas esbanjava simpatia”.

D

dá forma ao contraste entre a expectativa inicial e a volta para casa: o homem não se deixa receber a ternura que o elefante carrega.

E

é a conjunção mais comumente utilizada entre as adversativas, não exercendo, no entanto, relação de contraste nos versos do texto.

Gabarito:

dá forma ao contraste entre a expectativa inicial e a volta para casa: o homem não se deixa receber a ternura que o elefante carrega.



Resolução:

[D]

Ao observar o uso do conecto mas, é possível perceber que ele é perceptivelmente associado à ideia da frustração. No poema, essa frustração se concentra na alegoria do elefante, cuja presença sensível e perseverante encontra a frieza humana: 

"Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver [...] 

>> o elefante sai à rua, disposto e exuberante, MAS, à volta, percebe-se que não o querem ver. Quebra-se a expectativa, a ternura não gera ternura; 

e não há cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.
Mas faminto de seres
e situações patéticas, [...]

>> o passo do elefante pode ser desastrado e vacilante, MAS também tem a intenção de comover, tocar — é um passo ansioso e expectante, que deseja encontrar a sensibilidade dos homens, dos seres; 

de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.


E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes"

>> o elefante busca a sensibilidade no ínfimo e no infinito, MAS a humanidade, escondida, limitada, recusa-se a conhecê-la. O elefante vai contente, disposto, aberto, MAS volta exausto, fatigado, sem a mesma luz. 

É nessa construção gradual que o poeta elabora a ideia das expectativas e suas quebras, num percurso costurado por contrastes, contradições e frustrações.

Sobre as demais afirmativas: 

a) a conjunção "mas" não possui valor semântico consecutivo, mesmo que a exaustão seja uma realidade para o elefante após o excurso à rua; 

b) nem sempre o valor do "mas" é aditivo. No poema, os versos "vai pela rua [...]/ mas não o querem ver", "o passo desastrado/mas faminto"; exprimem contraste, e não adição; 

c) os "mas" presentes no poema não compensam, muito pelo contrário: reforçam a derrota do elefante diante da experiência com a (in)sensibilidade dos homens; 

e) como explicitado na [B], o "mas" cumpre, sim, papel adversativo em alguns de seus usos ao longo dos versos elencados. 



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