Texto 1
O Senado aprovou nesta quarta-feira (16.04.2014) projeto que veda a doação de empresas ou pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, que atualmente são os maiores doadores de políticos e partidos.
(Gabriela Guerreiro. “Senado acaba com doação de empresas em campanhas eleitorais”. www.folha.uol.com.br, 16.04.2014. Adaptado.)
Texto 2
O sistema político brasileiro tem sido submetido a permanente interferência do poder econômico. Na democracia, deve prevalecer a igualdade. O voto de cada cidadão deve ter valor igual. O sistema político em que não há igualdade é aristocrático, não democrático. No passado, apenas a elite econômica podia participar da política, elegendo seus representantes. O chamado “voto censitário” excluía da vida pública amplos setores da sociedade. O processo de democratização levou à abolição do voto censitário, mas ainda não foi capaz de evitar que, por meio de mecanismos formais e informais de influência, a política seja capturada pelo poder econômico. O financiamento privado de campanhas eleitorais é o principal instrumento formal para que isso ocorra. No sistema brasileiro atual, tanto empresas quanto pessoas físicas podem fazer doações. Evidentemente, os maiores doadores podem interferir de modo muito mais incisivo no processo de tomada das decisões públicas do que o cidadão comum. Grandes empresas podem fazer com que sua agenda de interesses prevaleça no parlamento. O parlamentar que obteve esse tipo de financiamento tende a se converter em um verdadeiro representante de seus interesses junto ao Legislativo e, muitas vezes, ao próprio Executivo. Isto é inevitável no atual sistema, que, com o financiamento privado de campanhas, legitima a conversão do poder econômico em poder político e, por essa via, em direito vigente, de observância obrigatória para todos. As doações por pessoas jurídicas são totalmente incompatíveis com o princípio democrático. Os cidadãos, não as empresas, são titulares de direitos políticos. Apenas eles, por conseguinte, deveriam poder participar do processo político.
(Sérgio Fisher. “O financiamento democrático das campanhas eleitorais”. www.tre-rj.gov.br. Adaptado.)
Texto 3
As relações do poder econômico com a área política despertam um conflito de valores que tracionam em sentidos opostos. Se é certo afirmar que o poder econômico pode interferir negativamente no sistema democrático, favorecendo a corrupção eleitoral e outras formas de abuso, também é certo que não se pode imaginar um sistema democrático de qualidade sem partidos políticos fortes e atuantes, especialmente em campanhas eleitorais, o que, evidentemente, pressupõe a disponibilidade de recursos financeiros expressivos. E, sob esse ângulo, os recursos financeiros contribuem positivamente para a existência do que se poderia chamar de democracia sustentável. Como lembra Daniel Zovatto, “embora a democracia não tenha preço, ela tem um custo de funcionamento que é preciso pagar”. Eis aí, pois, o grande paradoxo: o dinheiro pode fazer muito mal à democracia, mas ele, na devida medida, é indispensável ao exercício e à manutenção de um regime democrático. É ilusão imaginar que, declarando a inconstitucionalidade da norma que autoriza doações por pessoas jurídicas, se caminhará para a eliminação da indevida interferência do poder econômico nos pleitos eleitorais.
(Teori Zavascki. “Voto-Vista (Supremo Tribunal Federal)”. www.stf.jus.br. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva uma dissertação, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
Financiamento de campanhas eleitorais por empresas deve ser proibido?
Gabarito:
Resolução:
(UNIFESP-2005)
Leia o poema de Mário Quintana.
De gramática e de linguagem
E havia uma gramática que dizia assim:
“Substantivo (concreto) é tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta”.
Eu gosto é das cousas. As cousas, sim!...
As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multipli-
[cam-se em excesso.
As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com
[ninguém.
Uma pedra. Um armário. Um ovo. (Ovo, nem sempre,
Ovo pode estar choco: é inquietante...)
As cousas vivem metidas com as suas cousas.
E não exigem nada.
Apenas que não as tirem do lugar onde estão.
E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta.
Para quê? não importa: João vem!
E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão.
Amigo ou adverso... João só será definitivo
Quando esticar a canela. Morre, João...
Mas o bom, mesmo, são os adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. Luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.
Ainda mais:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...
Observe os pares de versos:
“Substantivo (concreto) é tudo quanto indica Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta.” “Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido: Basta provares o seu gosto…”
Considerando-se o título e os sentidos propostos no poema, é correto afirmar sobre os versos que
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(UNIFESP-2004)
Fora de si
eu fico louco
eu fico fora de si
eu fica assim
eu fica fora de mim
eu fico um pouco
depois eu saio daqui
eu vai embora
eu fico fora de si
eu fico oco
eu fica bem assim
eu fico sem ninguém em mim
(Arnaldo Antunes)
A leitura do poema permite afirmar corretamente que o poeta explora a ideia de
(Unifesp 2016)
“Sermão de Santo Antônio aos peixes” de Antônio Vieira (1608-1697)
A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. [...] Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens. Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os tapuias se comem uns aos outros, muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas: vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer, e como se hão de comer.
[...]
Diz Deus que comem os homens não só o seu povo, senão declaradamente a sua plebe: Plebem meam, porque a plebe e os plebeus, que são os mais pequenos, os que menos podem, e os que menos avultam na república, estes são os comidos. E não só diz que os comem de qualquer modo, senão que os engolem e os devoram: Qui devorant. Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos inteiros: Qui devorant plebem meam. E de que modo se devoram e comem? Ut cibum panis: não como os outros comeres, senão como pão. A diferença que há entre o pão e os outros comeres é que, para a carne, há dias de carne, e para o peixe, dias de peixe, e para as frutas, diferentes meses no ano; porém o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come: e isto é o que padecem os pequenos. São o pão cotidiano dos grandes: e assim como pão se come com tudo, assim com tudo, e em tudo são comidos os miseráveis pequenos, não tendo, nem fazendo ofício em que os não carreguem, em que os não multem, em que os não defraudem, em que os não comam, traguem e devorem: Qui devorant plebem meam, ut cibum panis. Parece-vos bem isto, peixes?
(Antônio Vieira. Essencial, 2011.)
“Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens.” (1º parágrafo)
Nas duas ocorrências, o termo “para” estabelece relação de
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(UNIFESP - 2016)
“Mineirinho” de Clarice Lispector (1925-1977), publicada na revista Senhor em 1962
É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um 1facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram 2Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: “O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que não matou”.
Por quê? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.
Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.
Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos. Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais – vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu – que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver.
(Clarice Lispector. Para não esquecer, 1999.)
1facínora: diz-se de ou indivíduo que executa um crime com crueldade ou perversidade acentuada.
2Mineirinho: apelido pelo qual era conhecido o criminoso carioca José Miranda Rosa. Acuado pela polícia, acabou crivado de balas e seu corpo foi encontrado à margem da Estrada Grajaú- Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Em “Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto” (1º parágrafo), o termo em destaque constitui
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