(AFA - 2014)
PROVA DE REDAÇÃO
A MOÇA E A CALÇA
Foi no Cinema Pax, em Ipanema. O filme em
exibição é ruim: “O menino mágico”. Se mágico adulto
geralmente é chato, imaginem menino. Mas isso não
vem ao caso. O que vem ao caso é a mocinha muito da
5redondinha, condição que seu traje apertadinho deixava
sobejamente clara. A mocinha chegou, comprou a
entrada, apanhou, foi até a porta, mas aí o porteiro olhou
pra ela e disse que ela não podia entrar:
_ Não posso por quê?
10 _ A senhora está de “Saint-Tropez”.
_ E daí?
Daí o porteiro olhou pras exuberâncias físicas
dela, sorriu e foi um bocado sincero: _ Por mim a
senhora entrava. (Provavelmente completou baixinho... e
15entrava bem.) Mas o gerente tinha dado ordem de que
não podia com aquela calça bossa-nova e, sabe como
é... ele tinha que obedecer, de maneira que sentia muito,
mas com aquela calça não.
_ O senhor não vai querer que eu tire a calça.
20 Nós, que estávamos perto, quase respondemos por ele:
_ Como não, dona! _ Mas ela não queria
resposta. Queria era discutir a legitimidade de suas
apertadas calças “Saint-Tropez”. Disse então que suas
calças eram tão compridas como outras quaisquer. O
25cinema Pax é dos padres e talvez por causa desse
detalhe é que não pode “Saint-Tropez”. A calça, de fato,
era comprida como as outras, mas embaixo. Em cima
era curta demais. O umbigo ficava ali, isolado,
parecendo até o representante de Cuba em conferências
30panamericanas.
_ Quer dizer que com minhas calças eu não
entro? _ Quis ela saber ainda mais uma vez. E vendo o
porteiro balançar a cabeça em sinal negativo, tornou a
perguntar: _ E de saia?
35 De saia podia. Ela então abriu a bolsa, tirou
uma saia que estava dentro, toda embrulhadinha (devia
ser pra presente). Desembrulhou e vestiu ali mesmo, por
cima do pomo da discórdia. No caso, a calça “Saint
Tropez”. Depois, calmamente, afrouxou a calça e deixou
40que a dita escorresse saia abaixo. Apanhou, guardou na
bolsa e entrou com uma altivez que só vendo.
Enquanto rasgava o bilhete, o porteiro
comentou:
_ Faço votos que ela tenha outra por baixo.
45Outra calça, naturalmente.
(Stanislaw Ponte Preta)
A FAVOR DA DIFERENÇA, CONTRA TODA DESIGUALDADE
A maioria das pessoas acredita que está isenta
de preconceitos. No entanto até sua linguagem contradiz
esta crença. De modo especial, o corpo, que deveria ser
um elemento de agregação e de comunicação, se torna
5elemento de discriminação.
Coube-me fazer uma pesquisa com dez
adolescentes sobre a presença da violência na escola
através da palavra. Todos afirmaram que já agrediram e
foram agredidos com palavras. Surpreende que os
10adolescentes veem no corpo um elemento de
discriminação. A obesidade, a altura, pequenos defeitos
físicos são motivos de preconceito.
Acontece que nossa sociedade seleciona um
determinado corpo como modelo e quem não obedece a
15este padrão está fora de cogitação. Num país de pobres
que não conseguem ter uma alimentação equilibrada e
nem os cuidados mínimos com a saúde, a consequência
é a marginalização.
As pessoas com necessidades especiais
20também são consideradas anormais. É muito comum
agredir verbalmente as pessoas chamando-as de
retardadas. Até os pobres entram na dança da agressão.
Um xingamento comum é o de vileiro ou favelado. E o
que dizer dos adolescentes homossexuais?
25
Diferença x desigualdade
Existe a visão de que a diferença se identifica
com a desigualdade. Há um padrão de ser humano
30estandardizado e único que deve servir de metro para o
julgamento das pessoas. O grande desafio para a
educação é descobrir este currículo oculto verdadeiro e
forte para enfrentá-lo adequadamente.
Há pessoas que dizem que só a educação é
35capaz de salvar e desenvolver um país. Até aqui todos
estão de acordo. Contudo é importante se perguntar
qual é o tipo de educação necessária para um país
como o Brasil, que tem uma das maiores concentrações
de renda do mundo. Há pessoas que tiveram acesso a
40todos os estudos possíveis e, no entanto, continuam
defendendo uma sociedade livre sem ser justa, o que,
convenhamos é uma grande possibilidade.
Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (Fipe), a pedido do MEC,
45demonstrou que quanto mais preconceito e práticas
discriminatórias existem numa escola, pior é o
desempenho de seus estudantes. Foram entrevistadas
18.500 pessoas entre alunos, pais, diretores,
professores e funcionários de 501 escolas de todo o
50Brasil. Do total de estudantes entrevistados, 70% têm
menos de 20 anos.
Esta pesquisa revela que praticamente todos os
entrevistados (99,3%) têm preconceito em algum nível.
Sobre contra quem eles admitem ter preconceito,
55revelaram: homossexual, deficiente mental, cigano,
deficiente físico.
Enquanto a educação não enfrentar essas
questões, o que está acontecendo em nossas escolas é
apenas uma transmissão de conteúdos, um verniz
60colorido que não penetra o profundo, a consciência e o
coração das pessoas. (...)
SANDRINI, Marcos. Mundo jovem. Realidade brasileira Fevereiro de 2013.
SOMOS SÓ PARTE DA IMENSA DIVERSIDADE
Protagonista do filme “Colegas”, que estreou sexta, fala da vida com a síndrome de Down e de como se sente igual a todos.
Protagonista do filme “Colegas”, do diretor
Marcelo Galvão, o ator Ariel Goldenberg, 32, se define
como um “guerreiro”. E ele é. Guerreiro down, diga-se.
Down de síndrome de Down mesmo.(...)
5 O sonho do guerreiro, agora é se firmar na
carreira de ator (pensa em atuar em uma novela) e
estudar para se tornar diretor também.
Abaixo, entrevista de Goldenberg, em que revela o
segredo de seu sucesso e dá dicas sobre como os pais
10de crianças com Down podem ajudar seus filhos.
Como você avalia o seu desempenho no filme?
Eu dei a minha alma para que o Stallone
expressasse a realidade de um down que luta para
materializar seus sonhos. Stallone sou eu. Tenho
15orgulho de dizer que fizemos o filme todo em um take
só. Gravamos direto, não houve a necessidade de
refazer cenas porque os atores se esqueceram do texto,
ou porque não colocaram verdade nos personagens.
Você alguma vez se sentiu discriminado por ser
20down?
Uma vez. E foi, por coincidência, em um
cinema. Eu e a Rita estamos acostumados a ir ao
cinema toda sexta-feira. Sempre fomos tratados com
respeito, mas, naquele dia, o gerente se recusou a
25aceitar que pagássemos meia-entrada, que é um direito
assegurado aos downs. Ficou claro que ele não nos
queria lá. Me subiu o sangue na hora.
Como você conheceu a Rita?
Entrei no site “Grandes encontros”, que é uma
30sala de bate-papo para pessoas com deficiência, e a
encontrei. O que ela tem de mais? Nada. Apenas uma
alma pura e os olhos azuis bonitos. Casamos nos rituais
judaico, religião da minha família, e no católico, da
família da Rita.
35Você se sente um cara diferente das pessoas comuns?
Não. Eu me sinto igual a todo mundo. Nós
downs perante a sociedade somos downs, mas, perante
Deus, somos normais. É claro que eu sei que temos
uma cópia a mais do cromossomo 21. Mas todo dia
40nasce um bebê torto, ou loiro, ou moreno, ou mais
inteligente ou menos. Nós somos apenas parte da
imensa diversidade dos seres humanos. Por isso, somos
normais.
E ter filhos, você e a Rita não planejam?
45Não. Porque dá muito trabalho formar um filho
com a síndrome. E há a probabilidade muito grande de
termos um filho com a síndrome. Eu não quero arriscar.
CAPRIGLIONE, Laura. Folha de São Paulo. 04 de março de 2013.
SER DIFERENTE É NORMAL
Todo mundo tem seu jeito singular
de ser feliz, de viver e de enxergar
se os olhos são maiores ou são orientais
e daí, que diferença faz?
5
Todo mundo tem que ser especial
em oportunidades, em direitos, coisa e tal
seja branco, preto, verde, azul ou lilás
e daí, que diferença faz?
10
Já pensou, tudo sempre igual?
Ser mais do mesmo o tempo todo não é tão legal
Já pensou, sempre tão igual?
Tá na hora de ir em frente:
15ser diferente é normal!
Todo mundo tem seu jeito singular
de crescer, aparecer e se manifestar
se o peso na balança é de uns quilinhos a mais
20e daí, que diferença faz?
Todo mundo tem que ser especial
em seu sorriso, sua fé e no seu visual
se curte tatuagens ou pinturas naturais
25e daí, que diferença faz?
Já pensou, tudo sempre igual?
Ser mais do mesmo o tempo todo não é tão legal
já pensou, sempre tão igual?
30Tá na hora de ir em frente:
Ser diferente é normal!
(Adilson Xavier/ Vinícius Castro)
A partir da leitura dos textos , da charge apresentada e de seus conhecimentos prévios, redija um texto dissertativo-argumentativo, em norma padrão escrita da língua portuguesa, posicionando-se criticamente em relação ao tema:
O combate aos preconceitos na atualidade.
Dê um título a sua Redação.
Gabarito:
Resolução:
O tema “o combate aos preconceitos na atualidade” é de muita importância para a sociedade plural em que vivemos. O comando é reflexivo e levanta diversos questionamentos. Para entendê-lo melhor, é importante entender o recorte temático a partir dos textos motivadores.
O primeiro texto apresenta uma tirinha com um personagem que reage com intolerância quando apresentado a uma realidade que se opõe a dele
No segundo texto, a crônica aborda uma situação em que uma moça é impedida de entrar no cinema, por estar usando uma roupa “inadequada”, o que revela preconceito estabelecido por diversas conjunturas sociais.
O terceiro texto aborda o quão o preconceito se revela por uma séries de agressões verbais baseadas em tipos diferentes de corpos, situação muito frequente em ambientes escolares.
O quarto texto demonstra a vivência de uma pessoa que possui síndrome de Down e como ela se sente em relação a isso, tendo em vista sua vida em sociedade.
O quinto texto apresenta uma música que busca propor o respeito às diferenças.
Assim como os textos apresentam, é possível tecer uma argumentação pautada exclusivamente na busca pelo respeito e a valorização às diferenças, quanto na realidade que ainda possui diversas situações preconceituosas. Poderíamos utilizar o Artigo 3 da Constituição de 1988, já que o preconceito acaba constrangendo e excluindo minorias inteiras, alimentando uma intolerância e contrariando, assim, o Artigo 3, que garante liberdade de todos, independentemente de raça, cor, etnia, gênero, religião e região.
Também poderíamos abordar como a mídia muitas vezes intensifica a banalização do preconceito, uma vez que utiliza de diversos estereótipos para construir personagens. A exemplo, a personagem Adelaide, do programa humorístico Zorra Total, da rede globo, em que a personagem foi tratada comicamente como uma negra, de aparência “desleixada” e que fala de forma errada tendo em vista a norma padrão da língua portuguesa. Questões assim são uma arma de segregação porque facilitam a assimilação populacional de indivíduos na mesma condição que Adelaide são inferiores e devem se envergonhar da forma como falam apenas por ser uma maneira pouco convencional dentro do padrão aceito.
O combate aos preconceitos também pode se dar buscando a valorização das diferenças (como alguns dos textos motivadores propõe), já que mundialmente, o Brasil é considerado um país miscigenado e de cultura ampla. Devido a isso, não é raro encontrar, dentro da sociedade brasileira, diversas manifestações artísticas, de expressão e, também, linguísticas.
Dessa forma, podemos construir o texto partindo de diferentes repertórios socioculturais.
(Epcar (Afa) 2015) Assinale a alternativa que analisa de maneira adequada a figura de linguagem utilizada.
Ver questão
(AFA - 2016)
TEXTO II
FAVELÁRIO NACIONAL
Carlos Drummond de Andrade
Quem sou eu para te cantar, favela,
Que cantas em mim e para ninguém
a noite inteira de sexta-feira
e a noite inteira de sábado
E nos desconheces, como igualmente não te
conhecemos?
Sei apenas do teu mau cheiro:
Baixou em mim na viração,
direto, rápido, telegrama nasal
anunciando morte... melhor, tua vida.
...
Aqui só vive gente, bicho nenhum
tem essa coragem.
...
Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer,
Medo só de te sentir, encravada
Favela, erisipela, mal-do-monte
Na coxa flava do Rio de Janeiro.
Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver
nem de tua manha nem de teu olhar.
Medo de que sintas como sou culpado
e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.
Custa ser irmão,
custa abandonar nossos privilégios
e traçar a planta
da justa igualdade.
Somos desiguais
e queremos ser
sempre desiguais.
E queremos ser
bonzinhos benévolos
comedidamente
sociologicamente
mui bem comportados.
Mas, favela, ciao,
que este nosso papo
está ficando tão desagradável.
vês que perdi o tom e a empáfia do começo?
...
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984)
Nos versos abaixo, percebe-se que foram utilizadas figuras de linguagem, enfatizando o sentimento do eu-lírico. Porém, há uma opção em que não se verifica esse fato. Assinale-a.
Ver questão
(AFA - 2015)
MULHER BOAZINHA
(Martha Medeiros)
Qual o elogio que uma mulher adora receber1?
2Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais.
Diga que ela é uma mulher inteligente3 , 4e ela irá com a sua cara.
Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número.
Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa.
5Mas não pense que o jogo está ganho6: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta.
7Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que 8ela é um avião no mundo dos negócios.
Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical.
Agora 9quer ver o mundo cair 10?
Diga que ela é muito boazinha.
Descreva aí uma mulher boazinha.
Voz fina, roupas pastel, calçados rente ao chão.
Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana.
Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor.
11Nunca teve um chilique.
12Nunca colocou os pés num show de rock.
É queridinha.
Pequeninha.
Educadinha.
13Enfim, uma mulher boazinha.
Fomos boazinhas por séculos.
Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas.
Vivíamos no nosso mundinho, 14rodeadas de panelinhas e nenezinhos.
A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho.
Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa.
15Quietinhas, mas inquietas.
16Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.
Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais.
Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen.
Ser chamada de patricinha é ofensa mortal.
Pitchulinha é coisa de retardada.
Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa.
17Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.
As boazinhas não têm defeitos.
Não têm atitude.
Conformam-se com a coadjuvância.
PH neutro.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é 18isso que somos hoje.
Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos.
As “inhas” não moram mais aqui.
Foram para o espaço, sozinhas.
(Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frase/NTc1ODIy/ acesso em 28/03/14)
Leia os fragmentos abaixo:
Quietinhas, mas inquietas. (ref.15)
Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. (ref.17)
I. O grau superlativo absoluto sintético foi utilizado para estabelecer a diferença entre as mulheres boas e as boazinhas.
II. O paradoxo foi utilizado no primeiro fragmento para ressaltar a complexidade do comportamento feminino por meio da coexistência de aspectos opostos.
III. Ambos os fragmentos apresentam como recursos expressivos o jogo com palavras cognatas e o uso da adversidade.
Estão corretas as alternativas:
Ver questão
(Epcar (Afa) 2015) Assinale a alternativa que analisa de maneira adequada a figura de linguagem utilizada.
Ver questão