(AFA - 2021)
TEXTO IV
Apelo
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o cenário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda[2], a todas as aflições do dia.
Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate - meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham[1]. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
(TREVISAN, Dalton. Mistérios de Curitiba. 5a ed. Record. Rio de Janeiro, 1996.)
As escolhas das palavras e expressões são estratégias importantes na construção semântica do texto, principalmente em se tratando de um texto literário em que os vocábulos são, minuciosamente, selecionados. A partir disso, assinale a alternativa que apresenta informação INCORRETA quanto ao texto de Dalton Trevisan.
A construção do período "não lhes poupei água e elas murcham" [1], demonstra, por meio de uma catacrese, uma das consequências da ausência da mulher.
O uso reiterado de sujeito elíptico para marcar as ações do narrador sugere um sentimento de pequenez e de sofrimento do homem em relação à sua amada.
O emprego da expressão "última luz na varanda" [2] estabelece também um sentido metafórico, ao expressar o estado de espírito do narrador sem a presença da Senhora.
A presença frequente do vocativo reforça o propósito principal do texto, explicitando, assim, o discurso persuasivo construído pelo narrador.
Gabarito:
A construção do período "não lhes poupei água e elas murcham" [1], demonstra, por meio de uma catacrese, uma das consequências da ausência da mulher.
a) Alternativa incorreta. A catacrese é uma metáfora consolidada pelo uso popular, que serve para nomear algo (ex: braço do sofá, boca do fogão…). Não é perceptível esse recurso no período destacado, apesar de ele revelar uma consequência da partida da “senhora”.
b) Alternativa correta. O emprego do sujeito elíptico ajuda a tirar o foco de quem fala e o transpor para a situação narrada.
c) Alternativa correta. A última luz na varanda se refere tanto a uma luz que possivelmente ficava acesa quando ele chegava em casa (denotativo) quanto à ausência da mulher e a falta que o narrador sente dela, representada por essa luz (conotativo, metafórico).
d) Alternativa correta. Os chamamentos empregados ao longo do texto ressaltam a falta e o pedido para que a Senhora volte.
(Epcar (Afa) 2015) Assinale a alternativa que analisa de maneira adequada a figura de linguagem utilizada.
Ver questão
(AFA - 2016)
TEXTO II
FAVELÁRIO NACIONAL
Carlos Drummond de Andrade
Quem sou eu para te cantar, favela,
Que cantas em mim e para ninguém
a noite inteira de sexta-feira
e a noite inteira de sábado
E nos desconheces, como igualmente não te
conhecemos?
Sei apenas do teu mau cheiro:
Baixou em mim na viração,
direto, rápido, telegrama nasal
anunciando morte... melhor, tua vida.
...
Aqui só vive gente, bicho nenhum
tem essa coragem.
...
Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer,
Medo só de te sentir, encravada
Favela, erisipela, mal-do-monte
Na coxa flava do Rio de Janeiro.
Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver
nem de tua manha nem de teu olhar.
Medo de que sintas como sou culpado
e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.
Custa ser irmão,
custa abandonar nossos privilégios
e traçar a planta
da justa igualdade.
Somos desiguais
e queremos ser
sempre desiguais.
E queremos ser
bonzinhos benévolos
comedidamente
sociologicamente
mui bem comportados.
Mas, favela, ciao,
que este nosso papo
está ficando tão desagradável.
vês que perdi o tom e a empáfia do começo?
...
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984)
Nos versos abaixo, percebe-se que foram utilizadas figuras de linguagem, enfatizando o sentimento do eu-lírico. Porém, há uma opção em que não se verifica esse fato. Assinale-a.
Ver questão
(AFA - 2015)
MULHER BOAZINHA
(Martha Medeiros)
Qual o elogio que uma mulher adora receber1?
2Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais.
Diga que ela é uma mulher inteligente3 , 4e ela irá com a sua cara.
Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número.
Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa.
5Mas não pense que o jogo está ganho6: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta.
7Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que 8ela é um avião no mundo dos negócios.
Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical.
Agora 9quer ver o mundo cair 10?
Diga que ela é muito boazinha.
Descreva aí uma mulher boazinha.
Voz fina, roupas pastel, calçados rente ao chão.
Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana.
Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor.
11Nunca teve um chilique.
12Nunca colocou os pés num show de rock.
É queridinha.
Pequeninha.
Educadinha.
13Enfim, uma mulher boazinha.
Fomos boazinhas por séculos.
Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas.
Vivíamos no nosso mundinho, 14rodeadas de panelinhas e nenezinhos.
A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho.
Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa.
15Quietinhas, mas inquietas.
16Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.
Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais.
Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen.
Ser chamada de patricinha é ofensa mortal.
Pitchulinha é coisa de retardada.
Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa.
17Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.
As boazinhas não têm defeitos.
Não têm atitude.
Conformam-se com a coadjuvância.
PH neutro.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é 18isso que somos hoje.
Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos.
As “inhas” não moram mais aqui.
Foram para o espaço, sozinhas.
(Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frase/NTc1ODIy/ acesso em 28/03/14)
Leia os fragmentos abaixo:
Quietinhas, mas inquietas. (ref.15)
Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. (ref.17)
I. O grau superlativo absoluto sintético foi utilizado para estabelecer a diferença entre as mulheres boas e as boazinhas.
II. O paradoxo foi utilizado no primeiro fragmento para ressaltar a complexidade do comportamento feminino por meio da coexistência de aspectos opostos.
III. Ambos os fragmentos apresentam como recursos expressivos o jogo com palavras cognatas e o uso da adversidade.
Estão corretas as alternativas:
Ver questão
(Epcar (Afa) 2015) Assinale a alternativa que analisa de maneira adequada a figura de linguagem utilizada.
Ver questão