(UERJ 2016)
A ARTE DE ENGANAR
Em seu livro Pernas pro ar, Eduardo Galeano recorda que, na era vitoriana, era proibido mencionar “calças” na presença de uma jovem. Hoje em dia, diz ele, não cai bem utilizar certas expressões perante a opinião pública: “O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado; imperialismo se chama globalização; suas vítimas se chamam países em via de desenvolvimento; oportunismo se chama pragmatismo; despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral” etc.
A lista é longa. Acrescento os inúmeros preconceitos que carregamos: ladrão é sonegador; lobista é consultor; fracasso é crise; especulação é derivativo; latifúndio é agronegócio; desmatamento é investimento rural; lavanderia de dinheiro escuso é paraíso fiscal; acumulação privada de riqueza é democracia; socialização de bens é ditadura; governar a favor da maioria é populismo; tortura é constrangimento ilegal; invasão é intervenção; peste é pandemia; magricela é anoréxica.
Eufemismo é a arte de dizer uma coisa e acreditar que o público escuta ou lê outra. É um jeitinho de escamotear significados. De tentar encobrir verdades e realidades.
Posso admitir que pertenço à terceira idade, embora esteja na cara: sou velho. Ora, poderia dizer que sou seminovo! Como carros em revendedoras de veículos. Todos velhos! Mas o adjetivo seminovo os torna mais vendáveis.
Coitadas das palavras! Elas são distorcidas para que a realidade, escamoteada, permaneça como está. Não conseguem, contudo, escapar da luta de classes: pobre é ladrão, rico é corrupto.
Pobre é viciado, rico é dependente químico.
Em suma, eufemismo é um truque semântico para tentar amenizar os fatos.
Frei Betto
Adaptado de O Dia, 21/03/2015.
Frei Betto inicia seu texto com uma citação do escritor uruguaio Eduardo Galeano, recorrendo a recurso comum de argumentação. Esse recurso constitui um argumento de:
comparação
causalidade
contestação
autoridade
Gabarito:
autoridade
[D]
A questão visa a avaliar o conhecimento do estudo acerca dos recursos argumentativos que podem ser utilizados na construção de um texto. O autor utilizou um outro autor para embasar a sua argumentação, diante disso, o argumento construído é de autoridade (ou testemunho de autoridade) para reforçar as suas ideias.
(Uerj 2015)
SEPARAÇÃO
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.
nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. (ref. 14)
O trecho sublinhado reformula uma expressão anterior.
Essa reformulação explicita a seguinte relação de sentido:
Ver questão
(UERJ - 2015)
SEPARAÇÃO
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.
Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. (ref. 8)
Neste trecho, existe um contraste que busca acentuar o seguinte traço relativo à mulher amada:
Ver questão
(UERJ - 2015)
SEPARAÇÃO
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.
A hipérbole é uma figura empregada na crônica de Vinícius de Morais para caracterizar o estado de ânimo do personagem.
Esta figura está exemplificada em:
Ver questão
(Uerj 2015)
SEPARAÇÃO
Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...
MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.
Uma metáfora pode ser construída pela combinação entre elementos abstratos e concretos.
No texto, um exemplo de metáfora que se constrói por esse tipo de combinação é:
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