Questão 56895

(UERJ 2019) 

Um poema de Vinicius de Moraes

A flutuação do gosto em relação aos poetas é normal, como é normal a sucessão dos modos de fazer poesia. Pelo visto, Vinicius de Moraes anda em baixa acentuada. Talvez o seu prestígio tenha diminuído porque se tornou cantor e compositor, levando a opinião a considerá-lo mais letrista do que poeta. Mas deve ter sido também porque encarnou um tipo de poesia oposto a certas modalidades para as quais cada palavra tende a ser objeto autônomo, portador de maneira isolada (ou quase) do significado poético.

Na história da literatura brasileira ele é um poeta de continuidades, não de rupturas; e o nosso é um tempo que tende à ruptura, ao triunfo do ritmo e mesmo do ruído sobre a melodia, assim como tende a suprimir as manifestações da afetividade. Ora, Vinicius é melodioso e não tem medo de manifestar sentimentos, com uma naturalidade que deve desgostar as poéticas de choque. Por vezes, ele chega mesmo a cometer o pecado maior para o nosso tempo: o sentimentalismo. Isso lhe permitiu dar estatuto de poesia a coisas, sentimentos e palavras extraídos do mais singelo cotidiano, do coloquial mais familiar e até piegas, de maneira a parecer muitas vezes um seresteiro milagrosamente transformado em poeta maior. João Cabral disse mais de uma vez que sua própria poesia remava contra a maré da tradição lírica de língua portuguesa. Vinicius seria, ao contrário, alguém integrado no fluxo da sua corrente, porque se dispôs a atualizar a tradição. Isso foi possível devido à maestria com que dominou o verso, jogando com todas as suas possibilidades.

Ele consegue ser moderno usando metrificação e cultivando a melodia, com uma imaginação renovadora e uma liberdade que quebram as convenções e conseguem preservar os valores coloquiais. Rigoroso como Olavo Bilac, fluido como o Manuel Bandeira dos versos regulares, terra a terra como os poemas conversados de Mário de Andrade, esse mestre do soneto e da crônica é um raro malabarista.

ANTONIO CANDIDO

Adaptado de Teoria e debate, nº 49. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, out-dez, 2001.

A articulação do primeiro com o segundo parágrafo revela o seguinte eixo principal da argumentação do crítico:

A

valorização de versos coloquiais

B

descrição de uma poética singular

C

contestação de artistas modernos

D

exaltação de uma obra convencional

Gabarito:

descrição de uma poética singular



Resolução:

[B]

Observando a forma como os dois parágrafos foram ligados, é possível perceber que Antônio Candido visa estabelecer um paralelo entre a forma como a poética era feita no mainstream e como Vinícius de Moraes concretizou a sua, de forma diferente, indo contra o que era dominante à época e prosseguindo com seu estilo mais musical.



Questão 1795

(Uerj 2015)

SEPARAÇÃO

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...

MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.

nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. (ref. 14)
O trecho sublinhado reformula uma expressão anterior.

Essa reformulação explicita a seguinte relação de sentido:

Ver questão

Questão 1796

(UERJ - 2015)

SEPARAÇÃO

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...

MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.

 

Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. (ref. 8)

 

Neste trecho, existe um contraste que busca acentuar o seguinte traço relativo à mulher amada:

Ver questão

Questão 1797

(UERJ - 2015)

SEPARAÇÃO

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...

MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.

A hipérbole é uma figura empregada na crônica de Vinícius de Morais para caracterizar o estado de ânimo do personagem.

Esta figura está exemplificada em:

Ver questão

Questão 1798

(Uerj 2015)

SEPARAÇÃO

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 1No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta 2sentiu que 14nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. 10Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo1, 15como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.
(...)
Seus olhares 4fulguraram por um instante um contra o outro, depois se 5acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 6Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar2 aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas 16o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, 11sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.
17Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos3 de suas vidas, 12não lhe dava forças para desprender-se dela. 8Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, 9distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 18E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele 7abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou 3imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias − um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.
13De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...

MORAIS, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1986.

Uma metáfora pode ser construída pela combinação entre elementos abstratos e concretos.

No texto, um exemplo de metáfora que se constrói por esse tipo de combinação é:

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