(AFA - 2021)
Com base nos textos da prova de Língua Portuguesa e no seu conhecimento de mundo, escreva um texto dissertativoargumentativo, em prosa, refletindo sobre o seguinte questionamento:
Quais atitudes concretas todo cidadão pode tomar para evitar e combater a violência contra a mulher?
TEXTO I
As mulheres são vítimas de violência porque são mulheres
Wânia Pasinato.
Nos últimos anos, a violência contra as mulheres no Brasil vem se tornando assunto público e reconhecido como problema ao qual qualquer mulher, independentemente de raça, cor, etnia, idade ou classe social pode estar sujeita. Trata-se de reconhecer que a violência não é um infortúnio pessoal, mas tem origem na constituição desigual dos lugares de homens e mulheres nas sociedades – a desigualdade de gênero -, que tem implicações não apenas nos papéis sociais do masculino e feminino e nos comportamentos sexuais, mas também em uma relação de poder. Em outras palavras, significa dizer que a desigualdade é estrutural. Ou seja, social, histórica e culturalmente a sociedade designa às mulheres um lugar de submissão e menor poder em relação aos homens. Qualquer outro fator – o desemprego, o alcoolismo, o ciúme, o comportamento da mulher, seu jeito de vestir ou exercer sua sexualidade – não são causas, mas justificativas socialmente aceitas para que as mulheres continuem a sofrer violência.
(...) Em anos recentes, esse reconhecimento foi acompanhado por mudanças na forma como devemos responder a essa violência, atacando não as justificativas, mas as causas. O país tornou-se referência internacional com a Lei 11.340/2006 – a Lei Maria da Penha, cujo diferencial é a forma de abordar o problema, propondo a criminalização e a aplicação de penas para os agressores, mas também medidas que são dirigidas às mulheres para a proteção de sua integridade física e de seus direitos, além de medidas de prevenção destinadas a modificar as relações entre homens e mulheres na sociedade, campo no qual a educação desempenha papel estratégico. Apesar de tudo, o Brasil segue sendo um país violento para as mulheres. Anualmente são registradas centenas de ocorrências de violência doméstica, de violência sexual, além das elevadas taxas de homicídios de mulheres que, quando motivadas pelas razões de gênero, são tipificadas como feminicídios. Esses números expressam uma parte do problema e comumente dizemos que a subnotificação é uma característica dessas situações.
O medo, a dúvida, a vergonha são algumas explicações para esse silêncio, mas novamente nos contentamos em olhar para as justificativas e não para as causas. (...)
De modo geral, mudamos as leis, mas não a forma como as instituições funcionam. O Sistema de Justiça segue atuando de forma seletiva e distribuindo de forma desigual o acesso à Justiça. Existem poucos serviços especializados para atender as mulheres em situação de violência. Faltam protocolos que orientem o atendimento. Falta capacitação para os profissionais cuja atuação é muitas vezes balizada por convicções pessoais e julgamentos de valor que nada têm a ver com os direitos humanos. (...)
Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/notícia/2018/02/ violencia-contra-mulher-wania-pasinato.html - Acesso em 30/06/2020
TEXTO II
Porém igualmente
É uma santa. Diziam os vizinhos. E D. Eulália apanhando. É um anjo. Diziam os parentes. E D. Eulália sangrando. Porém igualmente se surpreenderam na noite em que, mais bêbado que de costume, o marido, depois de surrá-la, jogou-a pela janela, e D. Eulália rompeu em asas o voo de sua trajetória
COLASANTI, Marina. Um espinho de marfim e outras histórias. Porto Alegre: L & PM, 1999
TEXTO III
Mulheres de Atenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se
Arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas; cadenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos
Poder e Força de Atenas (...)
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito, nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm
Presságios
O seu homem, mares,
Naufrágios
Lindas sirenas, morenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se
Encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas, serenas
HOLANDA, Chico Buarque de. Meus caros amigos. LP, 1976. Phonogram/Philips
TEXTO IV
Apelo
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho. Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.
Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate – meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
TREVISAN, Dalton. Mistérios de Curitiba. 5ª ed. Record. Rio de Janeiro, 1996.
TEXTO V
Disponível em: https://amarildocharge.wordpress.com/2018/10/27/janelas/ - Acesso em 30/06/2020
TEXTO VI
Disponível em: https://www.humorpolitico.com.br/pxeira/precisamos-lutarjunts-contra-essa-barbarie-eumetoacolher/- Acesso em 30/06/2020
Gabarito:
Resolução:
O tema “Quais atitudes concretas todo cidadão pode tomar para evitar e combater a violência contra a mulher” é de extrema importância para a atualidade. A violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Esse cenário, apesar de muito antigo, ainda persiste na contemporaneidade, já que existem vários casos de violência que decorrem, sobretudo, de uma herança cultural.
No primeiro texto, existe uma problematização que diz respeito ao recorte temático. O texto define a violência de gênero, não só enquanto ato físico, mas simbólico de desvalorização e subjugação social da mulher. O ensaio pontua, principalmente, como esse cenário persiste ao passar dos anos, evidenciando que as instituições não mudaram o seu funcionamento, apontando que existem poucos serviços que atendem e auxiliam a mulher inserida em um contexto de violência.
O segundo texto evidencia, por meio da literatura, o quanto muitas vezes essas mulheres violentadas são vistas como “boas pessoas”, portadoras de “santidade” e “inocência”, mas acabam sofrendo uma série de violências que chegam a levar à morte, o que revela um enorme contraste.
No terceiro texto, embora em toda a música de Chico Buarque exista uma valorização propagação para que as pessoas imitem o exemplo das mulheres de Atenas, ele está fazendo uma crítica. A canção mostra que, naquele momento, vivia-se em uma sociedade patriarcal em que a mulher não tinha voz nem direitos, em que seus desejos e vontades eram anulados.
No quarto texto, fica evidente a abrangência do papel da “senhora” dentro de casa, que representa as mulheres como um todo, já que tudo parece perdido e desorganizado desde que ela se foi.
No quinto texto, a tirinha aborda como muitas vezes a população torna-se negligente em relação a violência contra a mulher, uma vez que existe uma negação em relação à problemática, porém não existe uma atitude/ação em defesa das mulheres.
No sexto texto, acontece uma relação com o clássico e ultrapassado ditado popular: “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, já que a campanha incentiva a denúncia e vai contra essa lógica e aborda o silêncio como conivência.
As estratégias para construir a abordagem do tema são muitas. Poderíamos, a princípio, construir uma relação de comparação entre a temática e algum argumento de autoridade. O filme “Eu não sou um homem fácil” pode ser citado, uma vez que nele, homens e mulheres têm seus papéis trocados em todos os sentidos. O corpo masculino passa a ser tratado de maneira exageradamente sexual e agressiva, este contraponto escancara a realidade de diversas mulheres. Além disso, o escritor Fraçois Poullain de La Barre do século XVII pode ser colocado, já que em seu ensaio “Sobre a igualdade dos sexos” é abordada a diferença de tratamento entre mulheres e homens na sociedade da época e defende a igualdade de direitos para ambos sexos, o que retoma a narrativa dos textos motivadores e aborda o fato de ser uma questão que se estende a séculos.
Também, poderíamos fazer o tema por Causa/Causa e Causa/Consequência. Trazendo, então, a negligência estatal e a falta de informação populacional como causas. Ou trazendo uma dessas duas causas e uma consequência, tal qual a não plenitude da garantia a outros direitos básicos, como a segurança. Nessa estratégia, poderíamos demonstrar a abrangência desse cenário apresentando índices, por exemplo, o relatório da OMS que mapeou a violência contra a mulher de 2011 a 2015 em 133 países, e que indicou que uma em cada três mulheres já sofreu violência física e/ou sexual por parte de seus parceiros. Além disso, como consequência poderia ser abordada a Lei Maria da Penha, criada com o intuito de penalizar a violência contra as mulheres.
Portanto, temos muitas possibilidades de resolução para a temática, abordando diferentes repertórios socioculturais.
(Epcar (Afa) 2015) Assinale a alternativa que analisa de maneira adequada a figura de linguagem utilizada.
Ver questão
(AFA - 2016)
TEXTO II
FAVELÁRIO NACIONAL
Carlos Drummond de Andrade
Quem sou eu para te cantar, favela,
Que cantas em mim e para ninguém
a noite inteira de sexta-feira
e a noite inteira de sábado
E nos desconheces, como igualmente não te
conhecemos?
Sei apenas do teu mau cheiro:
Baixou em mim na viração,
direto, rápido, telegrama nasal
anunciando morte... melhor, tua vida.
...
Aqui só vive gente, bicho nenhum
tem essa coragem.
...
Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer,
Medo só de te sentir, encravada
Favela, erisipela, mal-do-monte
Na coxa flava do Rio de Janeiro.
Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver
nem de tua manha nem de teu olhar.
Medo de que sintas como sou culpado
e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.
Custa ser irmão,
custa abandonar nossos privilégios
e traçar a planta
da justa igualdade.
Somos desiguais
e queremos ser
sempre desiguais.
E queremos ser
bonzinhos benévolos
comedidamente
sociologicamente
mui bem comportados.
Mas, favela, ciao,
que este nosso papo
está ficando tão desagradável.
vês que perdi o tom e a empáfia do começo?
...
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984)
Nos versos abaixo, percebe-se que foram utilizadas figuras de linguagem, enfatizando o sentimento do eu-lírico. Porém, há uma opção em que não se verifica esse fato. Assinale-a.
Ver questão
(AFA - 2015)
MULHER BOAZINHA
(Martha Medeiros)
Qual o elogio que uma mulher adora receber1?
2Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais.
Diga que ela é uma mulher inteligente3 , 4e ela irá com a sua cara.
Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número.
Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa.
5Mas não pense que o jogo está ganho6: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta.
7Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que 8ela é um avião no mundo dos negócios.
Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical.
Agora 9quer ver o mundo cair 10?
Diga que ela é muito boazinha.
Descreva aí uma mulher boazinha.
Voz fina, roupas pastel, calçados rente ao chão.
Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana.
Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor.
11Nunca teve um chilique.
12Nunca colocou os pés num show de rock.
É queridinha.
Pequeninha.
Educadinha.
13Enfim, uma mulher boazinha.
Fomos boazinhas por séculos.
Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas.
Vivíamos no nosso mundinho, 14rodeadas de panelinhas e nenezinhos.
A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho.
Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa.
15Quietinhas, mas inquietas.
16Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.
Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais.
Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen.
Ser chamada de patricinha é ofensa mortal.
Pitchulinha é coisa de retardada.
Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa.
17Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.
As boazinhas não têm defeitos.
Não têm atitude.
Conformam-se com a coadjuvância.
PH neutro.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é 18isso que somos hoje.
Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos.
As “inhas” não moram mais aqui.
Foram para o espaço, sozinhas.
(Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frase/NTc1ODIy/ acesso em 28/03/14)
Leia os fragmentos abaixo:
Quietinhas, mas inquietas. (ref.15)
Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. (ref.17)
I. O grau superlativo absoluto sintético foi utilizado para estabelecer a diferença entre as mulheres boas e as boazinhas.
II. O paradoxo foi utilizado no primeiro fragmento para ressaltar a complexidade do comportamento feminino por meio da coexistência de aspectos opostos.
III. Ambos os fragmentos apresentam como recursos expressivos o jogo com palavras cognatas e o uso da adversidade.
Estão corretas as alternativas:
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(Epcar (Afa) 2015) Assinale a alternativa que analisa de maneira adequada a figura de linguagem utilizada.
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