(UFRGS - 2018)
[1] Não faz muito que temos esta nova TV
com controle remoto, mas devo dizer que se
trata agora de um instrumento sem o qual eu
não saberia viver. Passo os dias sentado na
[5] velha poltrona, mudando de um canal para o
outro – uma tarefa que antes exigia certa
movimentação, mas que agora ficou muito
fácil. Estou num canal, não gosto – zap, mudo
para outro. Eu gostaria de ganhar em dólar
[10] num mês o número de vezes que você troca
de canal em uma hora, diz minha mãe. Tratase
de uma pretensão fantasiosa, mas pelo
menos indica disposição para o humor,
admirável nessa mulher.
[15] Sofre minha mãe. Sempre sofreu: infância
carente, pai cruel, etc. Mas o seu sofrimento
aumentou muito quando meu pai a deixou. Já
faz tempo; foi logo depois que eu nasci, e
estou agora com treze anos. Uma idade em
[20] que se vê muita televisão, e em que se muda
de canal constantemente, ainda que minha
mãe ache isso um absurdo. Da tela, uma
moça sorridente pergunta se o caro
telespectador já conhece certo novo sabão
[25] em pó. Não conheço nem quero conhecer, de
modo que – zap – mudo de canal. ―Não me
abandone, Mariana, não me abandone!‖.
Abandono, sim. Não tenho o menor remorso,
e agora é um desenho, que eu já vi duzentas
[30] vezes, e – zap – um homem falando. Um
homem, abraçado ........ guitarra elétrica, fala
........ uma entrevistadora. É um roqueiro. É
meio velho, tem cabelos grisalhos, rugas,
falta-lhe um dente. É o meu pai.
[35] É sobre mim que ele fala. Você tem um
filho, não tem?, pergunta a apresentadora, e
ele, meio constrangido – situação pouco
admissível para um roqueiro de verdade –, diz
que sim, que tem um filho só que não vê há
[40] muito tempo. Hesita um pouco e acrescenta:
você sabe, eu tinha que fazer uma opção, era
a família ou o rock. A entrevistadora, porém,
insiste (é chata, ela): mas o seu filho gosta de
rock? Que você saiba, seu filho gosta de rock?
[45] Ele se mexe na cadeira; o microfone,
preso ........ desbotada camisa, roça-lhe o
peito, produzindo um desagradável e bem
audível rascar. Sua angústia é compreensível;
aí está, num programa local e de baixíssima
[50] audiência – e ainda tem de passar pelo
vexame de uma pergunta que o embaraça e à
qual não sabe responder. E então ele me
olha. Vocês dirão que não, que é para a
câmera que ele olha; aparentemente é isso;
[55] mas na realidade é a mim que ele olha, sabe
que, em algum lugar, diante de uma tevê,
estou a fitar seu rosto atormentado, as
lágrimas me correndo pelo rosto; e no meu
olhar ele procura a resposta ........ pergunta
[60] da apresentadora: você gosta de rock? Você
gosta de mim? Você me perdoa? – mas aí
comete um engano mortal: insensivelmente,
automaticamente, seus dedos começam a
dedilhar as cordas da guitarra, é o vício do
[65] velho roqueiro. Seu rosto se ilumina e ele vai
dizer que sim, que seu filho ama o rock tanto
quanto ele, mas nesse momento – zap –
aciono o controle remoto e ele some. Em seu
lugar, uma bela e sorridente jovem que está –
[70] à exceção do pequeno relógio que usa no
pulso – nua, completamente nua.
Adaptado de: SCLIAR, M. Zap. In: MORICONI, Í. (Org.) Os cem melhores contos brasileiros. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 547-548.
Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas nas linhas 31, 32, 46 e 59, nesta ordem.
à – a – à – a
à – à – a – a
a – à – a – à
a – a – à – a
à – a – à – à
Gabarito:
à – a – à – à
1) abraçado à guitarra elétrica
A crase aqui se deve à regência de abraçado, já que quem está abraçado, está abraçado a alguma coisa. Nesse caso, ele está abraçado a (preposição) a (artigo) guitarra elétrica.
2) fala a uma entrevistadora.
Após a lacuna, temos o artigo indefinido uma, o que impede a ocorrência do artigo definido a (aparece um ou outro). Já que não há o artigo, não haverá crase. A preposição a aparece por conta da regência do verbo falar (quem fala, fala algo a/para alguém).
3) o microfone, preso à desbotada camisa
O que está preso, está preso a algo. Nesse caso, há a união entre a preposição a e o artigo definido a, formando a crase.
4) ele procura a resposta à pergunta
A regência nominal de resposta é a. Pode-se perceber que há o encontro de preposição e artigo substituindo por ele procura a resposta para a pergunta.
Assim, já que a sequência correta é à-a-à-à, a alternativa a ser assinalada é a de letra E.
(UFRGS - 2016)
A variação linguística é uma realidade que, embora razoavelmente bem estudada pela sociolinguística, pela dialetologia e pela linguística histórica, provoca, em geral, reações sociais muito negativas.
O senso comum tem escassa percepção de que a língua é um fenômeno heterogêneo, que alberga grande variação e está em mudança contínua. Por isso, costuma folclorizar a variação regional; demoniza a variação social e tende a interpretar as mudanças como sinais de deterioração da língua. O senso comum não se dá bem com a variação linguística e chega, muitas vezes, a explosões de ira e a gestos de grande violência simbólica diante de fatos de variação.
Boa parte de uma educação de qualidade tem a ver precisamente com o ensino de língua – um ensino que garanta o domínio das práticas socioculturais de leitura, escrita e fala nos espaços públicos. E esse domínio inclui o das variedades linguísticas historicamente identificadas como as mais próprias a essas práticas – isto é, as variedades escritas e faladas que devem ser identificadas como constitutivas da chamada norma culta. Isso pressupõe, inclusive, uma ampla discussão sobre o próprio conceito de norma culta e suas efetivas características no Brasil contemporâneo.
Parece claro hoje que o domínio dessas variedades caminha junto com o domínio das respectivas práticas socioculturais. Parece claro também, por outro lado, que não se trata apenas de desenvolver uma pedagogia que garanta o domínio das práticas socioculturais e das respectivas variedades linguísticas. Considerando o grau de rejeição social das variedades ditas populares, parece que o que nos desafia é a construção de toda uma cultura escolar aberta à crítica da discriminação pela língua e preparada para combatê-la, o que pressupõe uma adequada compreensão da heterogeneidade linguística do país, sua história social e suas características atuais. Essa compreensão deve alcançar, em primeiro lugar, os próprios educadores e, em seguida, os educandos.
Como fazer isso? Como garantir a disseminação dessa cultura na escola e pela escola, considerando que a sociedade em que essa escola existe não reconhece sua cara linguística e não só discrimina impunemente pela língua, como dá sustento explícito a esse tipo de discriminação? Em suma, como construir uma pedagogia da variação linguística?
Adaptado de: ZILLES, A. M; FARACO, C. A. Apresentação. In: ZILLES, A. M; FARACO, C. A. (Orgs.) Pedagogia da variação linguística: língua, diversidade e ensino. São Paulo: Parábola, 2015.
Assinale a alternativa que contém uma afirmação correta, de acordo com o sentido do texto
Ver questão
(Ufrgs 2016)
A variação linguística é uma realidade que, embora razoavelmente bem estudada pela sociolinguística, pela dialetologia e pela linguística histórica, provoca, em geral, reações sociais muito negativas.
O senso comum tem escassa percepção de que a língua é um fenômeno heterogêneo, que alberga grande variação e está em mudança contínua. Por isso, costuma folclorizar a variação regional; demoniza a variação social e tende a interpretar as mudanças como sinais de deterioração da língua. O senso comum não se dá bem com a variação linguística e chega, muitas vezes, a explosões de ira e a gestos de grande violência simbólica diante de fatos de variação.
Boa parte de uma educação de qualidade tem a ver precisamente com o ensino de língua – um ensino que garanta o domínio das práticas socioculturais de leitura, escrita e fala nos espaços públicos. E esse domínio inclui o das variedades linguísticas historicamente identificadas como as mais próprias a essas práticas – isto é, as variedades escritas e faladas que devem ser identificadas como constitutivas da chamada norma culta. Isso pressupõe, inclusive, uma ampla discussão sobre o próprio conceito de norma culta e suas efetivas características no Brasil contemporâneo.
Parece claro hoje que o domínio dessas variedades caminha junto com o domínio das respectivas práticas socioculturais. Parece claro também, por outro lado, que não se trata apenas de desenvolver uma pedagogia que garanta o domínio das práticas socioculturais e das respectivas variedades linguísticas. Considerando o grau de rejeição social das variedades ditas populares, parece que o que nos desafia é a construção de toda uma cultura escolar aberta à crítica da discriminação pela língua e preparada para combatê-la, o que pressupõe uma adequada compreensão da heterogeneidade linguística do país, sua história social e suas características atuais. Essa compreensão deve alcançar, em primeiro lugar, os próprios educadores e, em seguida, os educandos.
Como fazer isso? Como garantir a disseminação dessa cultura na escola e pela escola, considerando que a sociedade em que essa escola existe não reconhece sua cara linguística e não só discrimina impunemente pela língua, como dá sustento explícito a esse tipo de discriminação? Em suma, como construir uma pedagogia da variação linguística?
Adaptado de: ZILLES, A. M; FARACO, C. A. Apresentação. In: ZILLES, A. M; FARACO, C. A. (Orgs.) Pedagogia da variação linguística: língua, diversidade e ensino. São Paulo: Parábola, 2015.
Considere as afirmações abaixo, sobre a construção de uma educação de qualidade.
I. Uma educação de qualidade deve, no que concerne à variação linguística, questionar as reações sociais advindas da percepção da língua como fenômeno homogêneo.
II. O desafio, para uma educação de qualidade, está em preparar a escola para combater a discriminação que tem origem nas diferenças entre as variedades linguísticas.
III. As variedades linguísticas próprias ao domínio da leitura, escrita e fala nos espaços públicos, que devem ser ensinadas pela escola, são as que não sofreram variações sociais.
Segundo o texto, quais estão corretas?
(UFRGS - 2014)
Considere as seguintes ocorrências de artigo no texto.
O que havia de tão revolucionário na Revolução Francesa? Soberania popular, liberdade civil, igualdade perante a lei – 1as palavras hoje são ditas com tanta facilidade que somos incapazes de imaginar seu caráter explosivo em 1789. Para os franceses do Antigo Regime, 6os homens eram 8desiguais, e a desigualdade era uma boa coisa, adequada à ordem hierárquica que 2fora posta na natureza pela própria obra de Deus. A liberdade significava privilégio – isto é, literalmente, 12“lei privada”, uma prerrogativa 13especial para fazer algo negado a outras pessoas. O rei, como fonte de toda a lei, distribuía privilégios, 3pois havia sido 19ungido como 16o agente de Deus na terra. Durante todo 17o século XVIII, os filósofos do Iluminismo questionaram esses 9pressupostos, e os panfletistas profissionais conseguiram 14empanar 20a aura sagrada da coroa. Contudo, a desmontagem do quadro mental do Antigo Regime demandou violência iconoclasta, destruidora do mundo, revolucionária. 7Seria ótimo se pudéssemos associar 18a Revolução exclusivamente à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas ela nasceu na violência e imprimiu seus princípios em um mundo violento. Os conquistadores da Bastilha 24não se limitaram a destruir 21um símbolo do despotismo real. 4Entre eles, 150 foram mortos ou feridos no assalto à prisão e, quando os sobreviventes apanharam o diretor, cortaram sua cabeça e desfilaram-na por 25Paris 22na ponta de uma lança. Como podemos captar esses momentos de loucura, quando tudo parecia possível e o mundo se afigurava como uma tábula rasa, apagada por uma onda de comoção popular e pronta para ser redesenhada? Parece incrível que um povo inteiro fosse capaz de se levantar e transformar as condições da vida cotidiana. Duzentos anos de experiências com admiráveis mundos 26novos tornaram-nos 15céticos quanto ao 10planejamento social. 27Retrospectivamente, a Revolução pode parecer um 23prelúdio ao 11totalitarismo. Pode ser. Mas um excesso de visão 28histórica retrospectiva pode distorcer o panorama de 1789. Os revolucionários franceses não eram nossos contemporâneos. E eram um conjunto de pessoas não excepcionais em circunstâncias excepcionais. Quando as coisas se 29desintegraram, eles reagiram a uma necessidade imperiosa de dar-lhes sentido, ordenando a sociedade segundo novos princípios. Esses princípios ainda permanecem como uma denúncia da tirania e da injustiça. 5Afinal, em que estava empenhada a Revolução Francesa? Liberdade, igualdade, fraternidade.
Adaptado de: DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. In: ____. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Cia. das Letras, 2010. p. 30-39.
I. O artigo definido na referência 16.
II. O artigo definido singular na referência 17.
III. O artigo definido na referência 18.
Quais poderiam ser omitidos, preservando a correção de seus contextos?
Ver questão
(Ufrgs 2006) Considere as seguintes afirmações sobre referentes de segmentos do texto.
5Se escapar do 8bombardeio 1 ........ está sendo submetido, 11um achado divulgado 14anteontem por pesquisadores do Reino Unido poderá mudar a história da ocupação humana da América. Segundo eles, pegadas de pessoas descobertas no centro do México teriam 40 mil anos - 6embora os registros mais antigos de presença humana no continente não ultrapassem 2 ........ 13 mil anos.
A equipe, liderada pela 17geoarqueóloga mexicana Silvia González, achou os rastros na beira de um antigo lago assolado por chuvas de cinza vulcânica. Imagina-se que, 15depois de um desses episódios, um grupo de pessoas (entre as quais crianças, a julgar pelas dimensões das pegadas) teria caminhado sobre a cinza, deixando sua 9marca. Usando uma série de métodos diferentes, o grupo britânico datou fósseis de animais no mesmo nível da pegada, assim como sedimentos 19em volta da própria, chegando à data de por volta de 40 mil anos 16antes do presente. 22Hoje, o sítio arqueológico das Américas mais antigo cujas datas são aceitas pelos cientistas é Monte Verde, no extremo sul do Chile, com americanos cruzaram o estreito de Bering, vindos do extremo nordeste da Ásia, para chegar ao Novo Mundo. "Novas rotas de migração3 ........ expliquem a existência desses sítios mais antigos precisam ser consideradas. Nossos achados reforçam a teoria4 ........ 10esses primeiros colonos tenham vindo pela água, usando a rota da costa do Pacífico", disse González em comunicado. "Nunca se deve dar a conhecer um achado tão importante numa entrevista coletiva", critica o antropologo argentino Rolando González-José, do Centro Nacional Patagônico. 12O pesquisador já chegou a estudar os antigos mexicanos junto com a arqueóloga, 7mas teve "divergências inconciliáveis" com ela. 13"Uma data de 40 mil anos não necessariamente leva a modelos alternativos do povoamento, 23muito menos recorrendo a rotas transpacíficas", diz.
Adaptado de: LOPES, Reinaldo José. Folha de S. Paulo, 6 jul. 2005, p. A 16.
I - O substantivo BOMBARDEIO (ref. 8) refere-se às frequentes chuvas de cinza vulcânica que atingem o achado.
II - O substantivo MARCA (ref. 9) refere-se essencialmente a pegadas de crianças.
III - A expressão "esses primeiros colonos" (ref. 10) refere-se aos migrantes que deixaram suas pegadas no centro do México.
Quais estão corretas?
Ver questão