Questão 34742

(UNESP - 2019 - 1ª FASE)

Leia o trecho do romance S. Bernardo, de Graciliano Ramos, para responder a questão.

O caboclo mal-encarado que encontrei um dia em casa do Mendonça também se acabou em desgraça. Uma limpeza. Essa gente quase nunca morre direito. Uns são levados pela cobra, outros pela cachaça, outros matam-se.

Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra, bateu-lhe no peito, e foi a conta. Deixou viúva e órfãos miúdos. Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, as lombrigas comeram o segundo, o último teve angina e a mulher enforcou-se.

Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção, proibi a aguardente.

Concluiu-se a construção da casa nova. Julgo que não preciso descrevê-la. As partes principais apareceram ou aparecerão; o resto é dispensável e apenas pode interessar aos arquitetos, homens que provavelmente não lerão isto. Ficou tudo confortável e bonito. Naturalmente deixei de dormir em rede. Comprei móveis e diversos objetos que entrei a utilizar com receio, outros que ainda hoje não utilizo, porque não sei para que servem.

Aqui existe um salto de cinco anos, e em cinco anos o mundo dá um bando de voltas.

Ninguém imaginará que, topando os obstáculos mencionados, eu haja procedido invariavelmente com segurança e percorrido, sem me deter, caminhos certos. Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos, desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andei mal?

A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las.

Alcancei mais do que esperava, mercê de Deus. Vieram-me as rugas, já se vê, mas o crédito, que a princípio se esquivava, agarrou-se comigo, as taxas desceram. E os negócios desdobraram-se automaticamente. Automaticamente.

Difícil? Nada! Se eles entram nos trilhos, rodam que é uma beleza. Se não entram, cruzem os braços. Mas se virem que estão de sorte, metam o pau: as tolices que praticarem viram sabedoria. Tenho visto criaturas que trabalham demais e não progridem. Conheço indivíduos preguiçosos que têm faro: quando a ocasião chega, desenroscam-se, abrem a boca – e engolem tudo.

Eu não sou preguiçoso. Fui feliz nas primeiras tentativas e obriguei a fortuna a ser-me favorável nas seguintes.

Depois da morte do Mendonça, derrubei a cerca, naturalmente, e levei-a para além do ponto em que estava no tempo de Salustiano Padilha. Houve reclamações.

– Minhas senhoras, seu Mendonça pintou o diabo enquanto viveu. Mas agora é isto. E quem não gostar, paciência, vá à justiça.

Como a justiça era cara, não foram à justiça. E eu, o caminho aplainado, invadi a terra do Fidélis, paralítico de um braço, e a dos Gama, que pandegavam no Recife, estudando Direito. Respeitei o engenho do Dr. Magalhães, juiz.

Violências miúdas passaram despercebidas. As questões mais sérias foram ganhas no foro, graças às chicanas de João Nogueira.

Efetuei transações arriscadas, endividei-me, importei maquinismos e não prestei atenção aos que me censuravam por querer abarcar o mundo com as pernas. Iniciei a pomicultura e a avicultura. Para levar os meus produtos ao mercado, comecei uma estrada de rodagem. Azevedo Gondim compôs sobre ela dois artigos, chamou-me patriota, citou Ford e Delmiro Gouveia. Costa Brito também publicou uma nota na Gazeta, elogiando-me e elogiando o chefe político local. Em consequência mordeu-me cem mil-réis.

(S. Bernardo, 1996.)

O conhecido preceito "os fins justificam os meios" pode ser aplicado ao trecho:

A

"E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las." (6º parágrafo)

B

Comprei móveis e diversos objetos que entrei a utilizar com receio, outros que ainda hoje não utilizo, porque não sei para que servem." (4º parágrafo)

C

Essa gente quase nunca morre direito. Uns são levados pela cobra, outros pela cachaça, outros matam-se." (1º parágrafo)

D

"Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, as lombrigas comeram o segundo, o último teve angina e a mulher enforcou-se." (2º parágrafo)

E

"Vieram-me as rugas, já se vê, mas o crédito, que a princípio se esquivava, agarrou-se comigo, as taxas desceram." (7º parágrafo)

Gabarito:

"E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las." (6º parágrafo)



Resolução:

Em  “E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las.” (6o parágrafo) , há uma espécie de justificativa de Paulo Honório – que usou de todos os meios, engodos, arranjos, golpes e mentiras para adquirir a propriedade de Luís Padilha, com quem mantinha uma amizade falsa.

Logo, o preceito:  “ os fins justificam os meios”  é facilmente identificado em suas ações e confirma-se no trecho : “ A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo”

Desse modo, os "fins" seriam o objetivo da pessoa (nesse caso, possuir as terras de S. Bernardo), enquanto que os "meios" seriam todas as ferramentas utilizadas para atingir esses fins ("fiz coisas boas" e "fiz coisas ruins").



Questão 1845

(UNESP - 2014 - 1ª FASE)

A questão aborda um poema de Raul de Leoni (1895-1926).

A alma das cousas somos nós...

Dentro do eterno giro universal
Das cousas, tudo vai e volta à alma da gente,
Mas, se nesse vaivém tudo parece igual
Nada mais, na verdade
(5) Nunca mais se repete exatamente...

Sim, as cousas são sempre as mesmas na corrente
Que no-las leva e traz, num círculo fatal;
O que varia é o espírito que as sente
Que é imperceptivelmente desigual,
(10) Que sempre as vive diferentemente,
E, assim, a vida é sempre inédita, afinal...

Estado de alma em fuga pelas horas,
Tons esquivos e trêmulos, nuanças
Suscetíveis, sutis, que fogem no Íris
(15) Da sensibilidade furta-cor...
E a nossa alma é a expressão fugitiva das cousas
E a vida somos nós, que sempre somos outros!...
Homem inquieto e vão que não repousas!
Para e escuta:
(20) Se as cousas têm espírito, nós somos
Esse espírito efêmero das cousas,
Volúvel e diverso,
Variando, instante a instante, intimamente,
E eternamente,
(25) Dentro da indiferença do Universo!...

(Luz mediterrânea, 1965.)

Indique o verso em que ocorre um adjetivo antes e outro depois de um substantivo:

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Questão 1846

(Unesp 2014) No último período do texto, os termos saberes e fazeres são

 

Tablets nas escolas

 

Ou seja, não é suficiente entregar equipamentos tecnológicos cada vez mais modernos sem uma perspectiva de formação de qualidade e significativa, e sem avaliar os programas anteriores. O risco é de cometer os mesmos equívocos e não potencializar as boas práticas, pois muda a tecnologia, mas as práticas continuam quase as mesmas.

Com isso, podemos nos perguntar pelos desafios da didática diante da cultura digital: o tablet na sala de aula modifica a prática dos professores e o cotidiano escolar? Em que medida ele modifica as condições de aprendizagem dos estudantes? Evidentemente isso pode se desdobrar em inúmeras outras questões sobre a convergência de tecnologias e linguagens, sobre o acesso às redes na sala de aula e sobre a necessidade de mediações na perspectiva dos novos letramentos e alfabetismos nas múltiplas linguagens.

Outra questão que é preciso pensar diz respeito aos conteúdos digitais. Os conteúdos que estão sendo produzidos para os tablets realmente oferecem a potencialidade do meio e sua arquitetura multimídia ou apenas estão servindo como leitores de textos com os mesmos conteúdos dos livros didáticos? Quem está produzindo tais conteúdos digitais? De que forma são escolhidos e compartilhados?

Ou seja, pensar na potencialidade que o tablet oferece na escola — acessar e produzir imagens, vídeos, textos na diversidade de formas e conteúdos digitais — implica em repensar a didática e as possibilidades de experiências e práticas educativas, midiáticas e culturais na escola ao lado de questões econômicas e sociais mais amplas. E isso necessariamente envolve a reflexão crítica sobre os saberes e fazeres que estamos produzindo e compartilhando na cultura digital.

(Tablets nas escolas. www.gazetadopovo.com.br. Adaptado.)

 

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Questão 1847

(UNESP - 2012 - 1a Fase)

Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta e cidadão

A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa em Los Angeles procurei recompor tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
Rangia nos trilhos a muitas praias de distância...
Dizíamos: “Ê-vem meu pai!”. Quando a curva
Se acendia de luzes semoventes*, ah, corríamos
Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
Mas ser marraio** em teus braços, sentir por último
Os doces espinhos da tua barba.
Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e paciência
Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
Para o cotidiano (e frequentemente o binóculo
Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Que viste tantos anos através do teu óculo de alcance
Que nunca revelaste a ninguém?
Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta [exausto no último lance da maratona.
Te grimpávamos. Eras penca de filho. Jamais
Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa humilde
A um gesto do mar. A noite se fechava
Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.
Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. Deixavas-te olhando o mar
Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
Buscavam ilhas, outras ilhas... — as imaculadas, inacessíveis
Ilhas do Tesouro. Querias. Querias um dia aportar
E trazer — depositar aos pés da amada as joias fulgurantes
Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
Dos mais provectos***. Muitas vezes te vi, comandante
Comandar, batido de ventos, perdido na fosforência
De vastos e noturnos oceanos
Sem jamais.
Deste-nos pobreza e amor.
A mim me deste
A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade de amar
Em silêncio. Foste um pobre. Mendigavas nosso amor
Em silêncio. Foste um no lado esquerdo. Mas
Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
Movida a água: foi reta para o fundo. Partiste um dia
Para um brasil além, garimpeiro sem medo e sem mácula.
Doze luas voltaste. Tua primogênita — diz-se —
Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas águas-marinhas.

(Vinicius de Moraes. Antologia poética. 11 ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974, p. 180-181.)

 

(*) Semovente: “Que ou o que anda ou se move por si próprio.”
(**) Marraio: “No gude e noutros jogos, palavra que dá, a quem primeiro a grita, o direito de ser o último a jogar.
(***) Provecto: “Que conhece muito um assunto ou uma ciência, experiente, versado, mestre.”

(Dicionário Eletrônico Houaiss)

 

Em Partiste um dia / Para um brasil além, garimpeiro sem medo e sem mácula., o emprego da palavra brasil com inicial minúscula, no poema de Vinicius, tem a seguinte justificativa:

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Questão 1848

(UNESP - 2011 - 1ª FASE) A questão toma por base um fragmento do livro Comunicação e folclore, de Luiz Beltrão (1918-1986).

 

O Bumba-Meu-Boi

Entre os autos populares conhecidos e praticados no Brasil – pastoril, fandango, chegança, reisado, congada, etc. – aquele em que melhor o povo exprime a sua crítica, aquele que tem maior conteúdo jornalístico, é, realmente, o bumba-meu-boi, ou simplesmente boi.

Para Renato Almeida, é o “bailado mais notável do Brasil, o folguedo brasileiro de maior significação estética e social”. Luís da Câmara Cascudo, por seu turno, observou a sua superioridade porque “enquanto os outros autos cristalizaram, imóveis, no elenco de outrora, o bumba-meu-boi é sempre atual, incluindo soluções modernas, figuras de agora, vocabulário, sensação, percepção contemporânea. Na época da escravidão mostrava os vaqueiros escravos vencendo pela inteligência, astúcia e cinismo. Chibateava a cupidez, a materialidade, o sensualismo de doutores, padres, delegados, fazendo-os cantar versinhos que eram confissões estertóricas. O capitão-do-mato, preador de escravos, assombro dos moleques, faz sono dos negrinhos, vai ‘caçar’ os negros que fugiram, depois da morte do Boi, e em vez de trazê-los é trazido amarrado, humilhado, tremendo de medo. O valentão mestiço, capoeira, apanha pancada e é mais mofino que todos os mofinos. Imaginem a alegria negra, vendo e ouvindo essa sublimação aberta, franca, na porta da casa-grande de engenho ou no terreiro da fazenda, nos pátios das vilas, diante do adro da igreja! A figura dos padres, os padres do interior, vinha arrastada com a violência de um ajuste de contas. O doutor, o curioso, metido a entender de tudo, o delegado autoritário, valente com a patrulha e covarde sem ela, toda a galeria perpassa, expondo suas mazelas, vícios, manias, cacoetes, olhada por uma assistência onde estavam muitas vítimas dos personagens reais, ali subalternizados pela virulência do desabafo”.

Como algumas outras manifestações folclóricas, o bumba-meu- boi utiliza uma forma antiga, tradicional; entretanto, fá-la revestir-se de novos aspectos, atualiza o entrecho, recompõe a trama. Daí “o interesse do tipo solidário que desperta nas camadas populares”, como o assinala Édison Carneiro. Interesse que só pode manter-se porque o que no auto se apresenta não reflete apenas situações do passado, “mas porque têm importância para o futuro”. Com efeito, tendo por tema central a morte e a ressurreição do boi, “cerca-se de episódios acessórios, não essenciais, muito desligados da ação principal, que variam de região para região... em cada lugar, novos personagens são enxertados, aparentemente sem outro objetivo senão o de prolongar e variar a brincadeira”. Contudo, dentre esses personagens, os que representam as classes superiores são caricaturados, cobrindo-se de ridículo, o que torna “o folguedo, em si mesmo, uma reivindicação”.

Sílvio Romero recolheu os versos de um bumba-meu-boi, através dos quais se constata a intenção caricaturesca nos personagens do folguedo. Como o Padre, que recita:

Não sou padre, não sou nada
“Quem me ver estar dançando
Não julgue que estou louco;

Secular sou como os outros”.

Ou como o Capitão-do-Mato que, dando com o negro Fidélis, vai prendê-lo:

“CAPITÃO – Eu te atiro, negro
Eu te amarro, ladrão,
Eu te acabo, cão.”

Mas, ao contrário, quem vai sobre o Capitão e o amarra é o Fidélis:

“CORO – Capitão de campo
Veja que o mundo virou
Foi ao mato pegar negro
Mas o negro lhe amarrou.

CAPITÃO – Sou valente afamado
Como eu não pode haver
Qualquer susto que me fazem
Logo me ponho a correr”.

(Luiz Beltrão. Comunicação e folclore. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1971.)
 

O capitão-do-mato, preador de escravos, assombro dos moleques, faz-sono dos negrinhos, vai ‘caçar’ os negros que fugiram (...).

Nesta passagem, levando-se em conta o contexto, a função sintática e o significado, verifica-se que faz-sono é:

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