(UFU - 2022)
Episódio
Manhã cedo passa
à minha porta um boi.
De onde vem ele se não há fazendas?
Vem cheirando o tempo
entre noite e rosa.
Para à minha porta
sua lenta máquina.
Alheio à polícia
anterior ao tráfego
ó boi, me conquistas
para outro, teu reino.
Seguro teus chifres:
eis-me transportado
sonho e compromisso
ao País Profundo.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 21.ed. São Paulo, Record, 2000, p. 67-8.
A) É sabido que a condição de interiorano morando na cidade grande se constitui como um dos principais temas da poesia drummondiana. A partir do poema acima, discorra sobre tal tópico, demonstrando como os versos explicitam o contraste: interior x metrópole.
B) A figura do boi é recorrente na poesia de Carlos Drummond de Andrade. Sobre isso, afirma Maria Esther Maciel: “o boi – movido por uma percepção que supostamente ultrapassa as divisas da razão legitimada pela sociedade dos homens – não apenas põe em xeque a capacidade destes de entender outros mundos que não o amparado por essa mesma razão, mas também revela uma visão própria das coisas que existem e compõem o que chamamos de vida.” (MACIEL, M. E. Zoopoéticas contemporâneas. Campinas: Remate de Males, v. 27, n. 2, p. 197). Com base nessa afirmação, analise a imagem do boi no poema “Episódio”.
Gabarito:
Resolução:
A) O candidato deve demonstrar como, no poema, a dicotomia campo x cidade se dá, primeiramente, pelo modo do acontecimento inusitado da presença do boi no espaço urbano, o que fica delimitado no título, “Episódio”, e no questionamento do eu-lírico, “se não há fazendas”. Todo o resto do poema segue a partir de tal estranhamento. Na segunda estrofe, fica claro o que o boi representa: elementos do campo como a ciclicidade (“cheirando o tempo entre noite e rosa”) e a vagareza do tempo (“sua lenta máquina”); um elemento de conexão entre o eu-lírico e esse campo (afinal, é em sua porta que ele deliberadamente para) – que, no caso de Drummond, é um fator memorialístico de infância; e, finalmente, seu contraste com o mundo moderno, urbano e tecnicista (ao ser posto como “máquina”, metonímia da realidade dita civilizada). Contraposto ao tráfego e à polícia – elementos que remetem ao ritmo frenético e à constante vigilância do mundo moderno –, o boi é desejado pelo eu-lírico, que flerta com o retorno (o que fica claro com o uso do vocativo e o verbo no imperativo “conquistas”). A última estrofe consuma a conciliação entre boi e sujeito lírico por meio do ato de segurar os chifres, que remete a um gesto de domar o animal e o próprio sentimento dúbio em relação ao passado campestre, ao mesmo tempo “sonho” – espécie de lugar seguro – e “compromisso”, quase obrigação incontornável de um acerto de contas com a própria origem: viagem ao “País Profundo”, interior do país e de si próprio.
O candidato pode ainda desenvolver o aspecto memorialístico do poema ressaltando o retorno ao campo como um modo de rememoração de elementos de infância, sendo este um dos principais temas da poética drummondiana. Nesse caso, a aparição do boi “entre noite e rosa” remete a aspectos cotidianos da vida no campo. Ao “segurar o boi pelos chifres”, o eu-lírico enfrenta a memória representada pelo animal.
O candidato deve argumentar de maneira clara e coesa, de acordo com a norma culta da língua portuguesa, dominando os mecanismos linguísticos necessários ou indispensáveis para a construção da argumentatividade do texto.
B) O candidato deve apontar como o boi é uma metonímia que remete a uma realidade paralela àquela do mundo moderno, tão presente em seus versos. Tal realidade paralela diz respeito a um mundo não dominado pela técnica, ciência ou progresso, mas pela rotina baseada no tempo cíclico da natureza. É o contrário do que Maria Esther Maciel chama de “divisas da razão legitimada pela sociedade dos homens”, que o boi ultrapassa, justamente por não estar contaminado por elas. Por isso, no poema, ele é “alheio à polícia” – já que não está inserido na lógica de vigilância – e “anterior ao tráfego”, pois vem de um mundo de fixidez, estabilidade e permanência do tempo, naturalmente cíclico, repetitivo. É esse mundo do boi que Maria Esther afirma escapar à razão do homem moderno e urbano, incapaz de captar realidades e perspectivas que não sejam as suas. Drummond apresenta, no poema, a perspectiva do boi, impávido diante do cenário urbano, lento e alheio, possuidor de seu próprio “reino”, para onde transporta o eu-lírico. É essa figura do boi (e aquilo que Maria Esther chama de “visão própria das coisas que existem”) que cativa o sujeito do poema a retornar ao seu “País Profundo”, permitindo-se abandonar a alienação gerada pelo ritmo acelerado do mundo moderno.
O candidato pode acrescentar como o oxímoro “lenta máquina” marca o animal ironicamente como um elemento antimoderno, pois ao contrário da velocidade da máquina do mundo industrial, o boi permanece lento, alheio à aceleração do mundo. Ao ser posto como “cheirando o tempo”, ele o inala, o incorpora a si próprio, tornando também o tempo vagaroso, reforçando seu valor metonímico em relação ao campo, e se constituindo como um refúgio (ou objetivo) ao eu-lírico.
O candidato deve argumentar de maneira clara e coesa, de acordo com a norma culta da língua portuguesa, dominando os mecanismos linguísticos necessários ou indispensáveis para a construção da argumentatividade do texto.
(UFU/MG)
Estou farto do lirismo comedido do lirismo bem comportado [...]
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
− Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
BANDEIRA, Manuel. Libertinagem.
Em relação aos versos citados do poema “Poética” e à obra Libertinagem, de Manuel Bandeira, marque a assertiva INCORRETA.
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(UFU-2006) Leia o trecho seguinte, de Triste fim de Policarpo Quaresma, que reproduz um diálogo de Ricardo Coração dos Outros com Quaresma e D. Adelaide.
“Oh! Não tenho nada novo, uma composição minha. O Bilac conhecem? (...)quis fazer-me uma modinha, eu não aceitei; você não entende de violão, Seu Bilac.
A questão não está em escrever uns versos certos que digam coisas bonitas; o essencial é achar-se as palavras que o violão pede e deseja. (...)
(...) vou cantar a Promessa, conhecem? Não disseram os dois irmãos. (...)h! Anda por aí como as ‘Pombas’ do Raimundo.”
Lima Barreto. Triste fim de Policarpo Quaresma.
Parta do trecho lido para marcar a alternativa INCORRETA.
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(Ufu 2016) O jardim já vai se desmanchando na escuridão, mas Cristina ainda vê uma gravata (cinzenta?) saindo do bolso vermelho. Quer gritar de novo, mas a gravata cala a boca do grito, e já não adianta o pé querer se fincar no chão nem a mão querer fugir: o Homem domina Cristina e a mão dele vai puxando, o joelho vai empurrando, o pé vai castigando, o corpo todinho dele vai pressionando Cristina pra mata. Derruba ela no chão. Monta nela. O escuro toma conta de tudo.
O Homem aperta a gravata na mão feito uma rédea. Com a outra mão vai arrancando, vai rasgando, se livrando de tudo que é pano no caminho.
Agora o Homem é todo músculo. Crescendo.
Só afrouxa a rédea depois do gozo.
Cristina mal consegue tomar fôlego: já sente a gravata solavancando pro pescoço e se enroscando num nó. Que aperta. Aperta mais. Mais.
BOJUNGA, Lygia. O abraço. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2014. p. 82
Instantes derradeiros de O abraço, a passagem narra encontro de Cristina com o ‘Homem’. Levando-se em conta o enredo da obra até seu desenrolar nesses momentos finais, Cristina
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(UFU - 2016 - 1ª FASE)
DIONISOS DENDRITES
Seu olhar verde penetra a Noite entre tochas acesas
Ramos nascem de seu peito
Pés percutem a pedra enegrecida
Cantos ecoam tambores gritos mantos desatados.
Acorre o vento ao círculo demente
O vinho espuma nas taças incendiadas.
Acena o deus ao bando: Mar de alvos braços
Seios rompendo as túnicas gargantas dilatadas
E o vaticínio do tumulto à Noite –
Chegada do inverno aos lares
Fim de guerra em campos estrangeiros.
As bocas mordem colos e flancos desnudados:
À sombra mergulham faces convulsivas
Corpos se avizinham à vida fria dos valados
Trêmulas tíades presas ao peito de Dionisos trácio.
Sussurra a Noite e os risos de ébrios dançarinos
Mergulham no vórtice da festa consagrada.
E quando o Sol o ingênuo olhar acende
Um secreto murmúrio ata num só feixe
O louro trigo nascido das encostas.
SILVA, Dora Ferreira da. Hídrias. São Paulo: Odysseus, 2004. p. 42-43.
Ao evocar a mitologia, Dora Ferreira reativa em seu poema o mito de Dionisos. Nesse resgate do mito do deus Dionisos, o verso
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