Questão 11627

(ENEM - 2015)

Aquarela

O corpo no cavalete
é um pássaro que agoniza
exausto do próprio grito.
As vísceras vasculhadas
principiam a contagem
regressiva.
No assoalho o sangue
se decompõe em matizes
que a brisa beija e balança:
o verde – de nossas matas
o amarelo – de nosso ouro
o azul – de nosso céu
o branco o negro o negro

CACASO. In: HOLLANDA, H. B (Org.). 26 poetas hoje. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.

Situado na vigência do Regime Militar que governou o Brasil, na década de 1970, o poema de Cacaso edifica uma forma de resistência e protesto a esse período, metaforizando

A

as artes plásticas, deturpadas pela repressão e censura.

B

a natureza brasileira, agonizante como um pássaro enjaulado.

C

o nacionalismo romântico, silenciado pela perplexidade com a Ditadura.

D

o emblema nacional, transfigurado pelas marcas do medo e da violência.

E

as riquezas da terra, espoliadas durante o aparelhamento do poder armado.

Gabarito:

o emblema nacional, transfigurado pelas marcas do medo e da violência.



Resolução:

No poema Cacaso, Heloísa Buarque de Holanda tem como temática a tortura (O corpo no cavalete/ é um pássaro que agoniza), prática do regime ditatorial brasileiro. Ela faz uma crítica ao regime através do uso de alguns símbolos pátrios, no caso, as cores da nossa bandeira. O juízo se dá ao aliar esses ícones ao medo e a violência presentes na época. Para responder essa questão, devemos pensar na ideia do que o poema está metaforizando.

A) INCORRETA: Certamente, podemos ver no poema que o eu lírico recorre a inúmeros materiais para compor sua obra (as cores, o corpo de um animal, o cavalete, etc.) Por isso, essas informações que nos são dadas são verdadeiras (fatos), isto é, são mudam sua ideia através da metáfora, porque o eu lírico usa realmente as artes plásticas e não metaforicamente.

B) INCORRETA: No poema podemos ver com toda certeza que há uma metáfora no usod a imagem do "pássaro", que pode representar a nossa natureza e nossa biodiversidade. Mas trazer esses elementos naturais não é uma forma de protesto à ditatura militar que estava vigente no Brasil, porque para os militares era muito importante também que o Brasil fosse bem visto no exterior como t3rra de desenvolvimento, mas também como terra de riquezas e diversidade. Então, o pensar na natureza não é feito contra os militares.

C) INCORRETA: não podemos ressaltar elementos que comprovem a referência ao nacionalismo romântico, uma vez que as imagens que são colocadas remetem a muita dor e muito sofrimento, como se elas, juntamente com as características próprias do país, refletissem uma aquarela.

D) CORRETA: Nessa alternativa, vemos uma descrição correta dos anseios do eu lírico ao fazer seu poema. Quando ele pega a imagem do "pássaro", vemos que emblemas nacionais representados pela imagem de animais que têm no Brasil são trazidas para demonstrar que o que o país tinha como emblema está marcado pela dor, medo e violência, consequências da censura e repressão que ocorreu no país. Por isso a questão do "pássaro agonizante", um elemento nacional com uma imagem violenta.

E) INCORRETA: porque as riquezas da nossa terra não possuem uma metáfora direta, uma vez que seus referentes continuam os mesmos (o verde - de nossas matas / o amarelo - de nosso ouro / o azul - de nosso céu).



Questão 1778

(ENEM - 2015)

Exmº Sr. Governador:

Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]

ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS

RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.

O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor

Ver questão

Questão 1781

(ENEM - 2015)

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.

Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.

Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.

POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela

Ver questão

Questão 1782

Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.

BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que

Ver questão

Questão 1783

(ENEM - 2015)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

Ver questão