(ENEM - 2012)
TEXTO I
O que vemos no país é uma espécie de espraiamento e a manifestação da agressividade através da violência. Isso se desdobra de maneira evidente na criminalidade, que está presente em todos os redutos — seja nas áreas abandonadas pelo poder público, seja na política ou no futebol. O brasileiro não é mais violento do que outros povos, mas a fragilidade do exercício e do reconhecimento da cidadania e a ausência do Estado em vários territórios do país se impõem como um caldo de cultura no qual a agressividade e a violência fincam suas raízes.
Entrevista com Joel Birman. A Corrupção é um crime sem rosto. IstoÉ. Edição 2099, 3 fev. 2010.
TEXTO II
Nenhuma sociedade pode sobreviver sem canalizar as pulsões e emoções do indivíduo, sem um controle muito específico de seu comportamento. Nenhum controle desse tipo é possível sem que as pessoas anteponham limitações umas às outras, e todas as limitações são convertidas, na pessoa a quem são impostas, em medo de um ou outro tipo.
ELIAS, N. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
Considerando-se a dinâmica do processo civilizador, tal como descrito no Texto II, o argumento do Texto I acerca da violência e agressividade na sociedade brasileira expressa a
incompatibilidade entre os modos democráticos de convívio social e a presença de aparatos de controle policial.
manutenção de práticas repressivas herdadas dos períodos ditatoriais sob a forma de leis e atos administrativos.
inabilidade das forças militares em conter a violência decorrente das ondas migratórias nas grandes cidades brasileiras.
dificuldade histórica da sociedade brasileira em institucionalizar formas de controle social compatíveis com valores democráticos.
incapacidade das instituições político-legislativas em formular mecanismos de controle social específicos à realidade social brasileira.
Gabarito:
dificuldade histórica da sociedade brasileira em institucionalizar formas de controle social compatíveis com valores democráticos.
Questão interpretativa do ENEM, que pede relacionar a dinâmica do processo civilizador do segundo texto com o argumento do texto I.
O primeiro texto é uma entrevista sobre corrupção e trata do aumento das manifestações de agressividade através da violência no Brasil, expressas na criminalidade "presente em todos os redutos — seja nas áreas abandonadas pelo poder público, seja na política ou no futebol." A agressividade e a violência são fruto da "fragilidade do exercício e do reconhecimento da cidadania e a ausência do Estado em vários territórios do país".1
O segundo texto é um trecho de "O Processo Civilizador", de Norbert Elias (sociologia contemporânea; análises sobre o Estado e as políticas atualmente), e fala sobre controle social, condição para a sobrevivência de uma sociedade: é um controle específico do comportamento para canalizar "as pulsões e emoções do indivíduo". É fomentado na imposição de limitações entre os indivíduos; estas limitações são convertidas em medos de diferentes tipos naqueles a quem são impostas. Essa teoria remete à noção de Estado como detentor do monopólio da violência (que se verifica em Weber e Hobbes).
Grande parte da história do Brasil se deu sob o exercício de regimes autoritários, extremamente impositivos, desde o período colonial até a república. A experiência da ordem democrática é uma conquista recente, não estando ainda enraizada na sociedade nem nas instituições, ao contrário da violência e do autoritarismo, presentes na realidade de praticamente todo o país. Nesse sentido, os textos descrevem a dificuldade histórica do Brasil em efetivar o controle social de forma compatível com a democracia, ou seja, ensinar e cobrar a cidadania sem corrupção, truculência, agressividade, uso da força.
Como aponta o texto I 1, o exercício e o reconhecimento da cidadania, ou seja, o ensino e a cobrança dos deveres e direitos dos cidadãos, no Brasil, são muito frágeis e colocados em segundo plano. Além disso, há a questão da ausência do Estado. Em regiões periféricas, por exemplo, as pessoas são deixadas à sua convivência, sem nenhum meio de mediação estatal, ou seja, sem uma justiça institucionalizada, pautada em direitos humanos, e sem qualquer interferência que defina um controle sobre essa parte da sociedade. Assim, surgem outros tipos de controle, muitas vezes a partir daquilo que é mais fácil de se fazer: a imposição da violência e o uso da força. Vários tipos de atos violentos se desdobram a partir disso, sendo necessário trabalhar com políticas a longo prazo para solucioná-los; uma dificuldade é que tais ocorrências não são exclusiva das regiões abandonadas pelo poder público (estereótipo).
D: Desse modo, mostra-se uma dificuldade histórica do Brasil a implantação de formas democráticas de controle social.
A: A alternativa afirma que a polícia é necessária dentro da democracia para efetivar o que aponta o segundo texto: as limitações necessárias para a convivência dentro da sociedade, o controle social. Assim, não expressa a relação entre os dois textos.
B: Os textos apontam justamente a dificuldade das instituições brasileiras de implantar o controle social sob uma perspectiva democrática, enfatizando a mudança do contexto político. Não define a manutenção de tais práticas repressivas.
C: Os textos não tratam de migração nas grandes cidades brasileiras. Afirmam que a violência é decorrente da vulnerabilidade da cidadania, problema histórico, e da ausência do Estado em muitas regiões do país.
E: A alternativa aponta apenas parte do problema: "incapacidade das instituições político-legislativas em formular mecanismos de controle social". Específicos à realidade social brasileira, não porque o brasileiro seja mais violento que outros povos (como afirma o texto), mas justamente devido à ausência do Estado em muitas regiões do país. Não significa que não existe o controle social no Brasil, mas a forma como ele é feito não desenvolve bem todas as formas de cidadania possíveis (não é que o Brasil não tem leis, mas as formas como as leis têm sido aplicadas não são adequadas).
Não é uma "incapacidade das instituições em formular mecanismos de controle social", mas sim uma "dificuldade histórica em institucionalizar formas de controle social".
(ENEM - 2015)
Exmº Sr. Governador:
Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]
ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.
Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS
RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.
O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor
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(ENEM - 2015)
Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.
POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.
Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela
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Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.
BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que
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(ENEM - 2015)
Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]
Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]
É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?
TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)
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