(ENEM - 2018 - PROVA AMARELA)
Eu sobrevivi do nada, do nada
Eu não existia
Não tinha uma existência
Não tinha uma matéria
Comecei existir com quinhentos milhões
e quinhentos mil anos
Logo de uma vez, já velha
Eu não nasci criança, nasci já velha
Depois é que eu virei criança
E agora continuei velha
Me transformei novamente numa velha
Voltei ao que eu era, uma velha
PATROCÍNIO, S. In; MOSÉ, V, (Org.). Reino dos bichos e dos animais é meu nome. Rio de Janeiro: Azougue, 2009.
Nesse poema de Stela do Patrocínio, a singularidade da expressão lírica manifesta-se na
representação da infância, redimensionada resgate da memória.
associação de imagens desconexas, articuladas por uma fala delirante.
expressão autobiográfica, fundada no relato de experiências de alteridade.
incorporação de elementos fantásticos, explicitada por versos incoerentes.
transgressão à razão, ecoada na desconstrução de referências temporais.
Gabarito:
transgressão à razão, ecoada na desconstrução de referências temporais.
A) INCORRETA: porque o eu-lírico não baseia de forma enfática o período da infância, parte de um raciocínio de desconstrução das referências temporais habituais( primeiro: a memória da infância; segundo: a memória da juventude e terceiro: memória da fase adulta).
B) INCORRETA: porque apesar de apresentar no poema uma lembrança diferente (memórias da velhice) não apresenta por meio de uma fala delirante. A ideia de associação das imagens desconexas, não é uma imagem dada naturalmente pelo poema, mas é uma percepção que temos a partir de uma interpretação mais aprofundada dele
C) INCORRETA: é impossível que haja m registro autobiográfico, uma vez que a autora não pode ter nascido já velha com 500 milhões e 500 mil anos. Essa construção foge à realidade, e só pode se realizar no ambiente poético/ficcional. Além disso, não há nenhuma representação de alteridade, pois em momento nenhum do poema a identidade temporal construída se respalda na "experiência" com outros. O lirismo é individual e subjetivante, expressivo de uma fuga do eu lírico (que NÃO é a autora) ao regime natural do tempo.
D) INCORRETA: não temos objetos fantásitcos sendo ressaltados (e quando se fala do fantástico, nos referimos a algo de outro mundo); o que seria o fantástico é, na verdade, fruto de um pensamento oposto ao lógico dedutivo, mas utilizando ainda sim suas bases
E) CORRETA: porque a singularidade é representada pela manifestação da quebra da expectativa do que se afirma em relação a referências temporais fora do que é esperado pelo leitor.( memória da velhice, ao invés da memória da infância).
(ENEM - 2015)
Exmº Sr. Governador:
Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]
ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.
Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS
RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.
O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor
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(ENEM - 2015)
Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.
POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.
Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela
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Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.
BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que
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(ENEM - 2015)
Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]
Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]
É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?
TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)
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