Questão 40469

(ENEM - 2016 - 2ª aplicação)

Pode-se admitir que a experiência passada dá somente uma informação direta e segura sobre determinados objetos em determinados períodos do tempo, dos quais ela teve conhecimento. Todavia, é esta a principal questão sobre a qual gostaria de insistir: por que esta experiência tem de ser estendida a tempos futuros e a outros objetos que, pelo que sabemos, unicamente são similares em aparência. O pão que outrora comi alimentou-me, isto é, um corpo dotado de tais qualidades sensíveis estava, a este tempo, dotado de tais poderes desconhecidos. Mas, segue-se daí que este outro pão deve também alimentar-me como ocorreu na outra vez, e que qualidades sensíveis semelhantes devem sempre ser acompanhadas de poderes ocultos semelhantes? A consequência não parece de nenhum modo necessária.

HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1995.

O problema descrito no texto tem como consequência a

A

universalidade do conjunto das proposições de observação.

B

normatividade das teorias científicas que se valem da experiência.

C

dificuldade de se fundamentar as leis científicas em bases empíricas.

D

inviabilidade de se considerar a experiência na construção da ciência.

E

correspondência entre afirmações singulares e afirmações universais.

Gabarito:

dificuldade de se fundamentar as leis científicas em bases empíricas.



Resolução:

c) Correta. dificuldade de se fundamentar as leis científicas em bases empíricas.
Nesse texto, David Hume está explanando sobre os limites que a abordagem empírica pode trazer. Ele dá um exemplo do pão: se, no passado, comi um pão e saciei minha fome, unicamente essa experiência não me garante que um pão futuro, que é similar ao outro apenas na aparência, irá cumprir o mesmo objetivo que outrora cumpriu. O autor explica que essa relação de causa e efeito não é necessária, pois pode não se dar sempre. O problema é que isso acarreta uma dificuldade de se fundamentar as leis científicas em base empíricas nos fatos, pois as leis científicas buscam o que é universal e necessário, como as leis da gravidade — que são leis por descrever aquilo que não pode mudar, que é necessário. Portanto, o empirismo radical de Hume reduz essas leis científicas a regularidades naturais.

 

a) Incorreta. universalidade do conjunto das proposições de observação.
A universalidade indica formas de conhecimento dedutivas que supõe que haja características e categorias de conhecimento e nas coisas que sejam universais, válidas para todos. Por isso, o empirismo humeano não pode englobar qualquer tipo de universalidade, pois o conhecimento é indutivo e provável; não é o problema do conhecimento.

b) Incorreta. normatividade das teorias científicas que se valem da experiência.
Primeiro, a posição de Hume acerca do procedimento epistemológico para adquirir conhecimento não postula um tipo de normatividade das teorias científicas, fundada sobre a necessidade e universalidade — elementos recusados pelo empirismo de Hume. Segundo, tal aspecto não se torna uma consequência do fator abordado no texto, uma vez que o autor critica o modo como  "a experiência passada dá somente uma informação direta e segura sobre determinados objetos em determinados períodos do tempo, dos quais ela teve conhecimento".

d) Incorreta. inviabilidade de se considerar a experiência na construção da ciência.
Esse aspecto não encampa o ideal de um filósofo empirista, que usa justamente a experiência para a construção das ideias.

e) Incorreta. correspondência entre afirmações singulares e afirmações universais.
Para Hume, não era possível se chegar a conclusão de verdade absolutas, apenas lidar com o aparente. Aqui vale uma interpretação mais adequada do comando da questão, o qual pede que descreva qual é o problema que as ideias do texto da questão acarretam. Ou seja, deve-se descrever as consequências do fato de o conhecimento ocorrer empiricamente e a não necessidade da consequência no que ocorre e é percebido pela sensação; o problema é que isso acarreta uma dificuldade de se fundamentar as leis científicas em base empíricas e universal nos fatos, pois as leis científicas buscam o que é universal e necessário, como as leis da gravidade. O texto não afirma que o problema do fato de o conhecimento ocorrer empiricamente e a não necessidade da consequência no que ocorre e é percebido pela sensação é a universalidade do conjunto das proposições de observação ou a correspondência entre afirmações singulares e afirmações universais, pois isso não é consequência do que foi anunciado pelo texto.



Questão 1778

(ENEM - 2015)

Exmº Sr. Governador:

Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]

ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS

RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.

O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor

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Questão 1781

(ENEM - 2015)

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.

Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.

Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.

POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela

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Questão 1782

Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.

BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que

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Questão 1783

(ENEM - 2015)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

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