(ENEM - 2019 - PROVA AMARELA)
Essa lua enlutada, esse desassossego
A convulsão de dentro, ilharga
Dentro da solidão, corpo morrendo
Tudo isso te devo. E eram tão vastas
As coisas planejadas, navios,
Muralhas de marfim, palavras largas
Consentimento sempre. E seria dezembro.
Um cavalo de Jade sob as águas
Dupla transparência, fio suspenso
Todas essas coisas na ponta dos teus dedos
E tudo se desfez no pórtico do tempo
Em lívido silêncio. Umas manhãs de vidro
Vento, a alma esvaziada, um sol que não vejo
Também isso te devo.
HILST, H. Júbilo, memória, noviciado da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 2018
No poema, o eu lírico faz um inventário de estados passados espelhados no presente. Nesse processo, aflora o
cuidado em apagar da memória os restos do amor.
amadurecimento revestido de ironia e desapego.
mosaico de alegrias formado seletivamente.
desejo reprimido convertido em delírio.
arrependimento dos erros cometidos.
Gabarito:
amadurecimento revestido de ironia e desapego.
A) INCORRETA: pois o eu lírico demonstra, de forma irônica, que não tem o interesse de "apagar" o passado, mas ele o ressalta para demonstrar como tudo isso foi importante no processo de superação do eu lírico das coisas que ele passou com sua amada. Não há um desejo pelo esvaziamento, pela omissão, mas sim pela culpabilização ("Também isso te devo.") daquele/daquela que o eu lírico fala, perdendo espaço no amor do eu lírico.
B) CORRETA: É perceptível por meio do poema, que o inventário de estados passados trouxe o amadurecimento do eu poético para saber compreender a sua própria condição solitária e de forma razoavelmente irônica em tratá-la com certo desapego. Isso pode ser conferido em alguns trechos do poema:
"Dentro da solidão, corpo morrendo/ Tudo isso te devo. E eram tão vastas/ As coisas planejadas, navios, Muralhas de marfim, palavras largas/ Consentimento sempre." >> esses versos reforçam a condição de solidão e algo que era, e não é mais, revelando um efetivo amadurecimento: o vasto se torna menor, se torna memória e não se manifesta como paixão.
"Todas essas coisas na ponta dos teus dedos/ E tudo se desfez no pórtico do tempo Em lívido silêncio." >> o "silêncio" revela uma atitude de desapego por parte do eu-lírico: não há luta, protesto, dor - mas sim aceitação que, ao atribuir ao interlocutor a culpa por esse estado ("também isso te devo"), permite entrever marcas de ironia.
C) INCORRETA: por mais que o eu lírico faça um mosaico, as imagens que ele evoca são, em sua maioria, imagens da "solidão", do "silêncio" e do "copro morrrendo", principalmente imagens evocadas com certa ironia. Então, a palavra "alegrias" ivalida esta questão
D) INCORRETA: o poema demonstra que o eu lírico está revisitando o passado e ele evoca imagens de desejo que ele possuía naquele tempo. Essa imagem é construída com ironia do sentimento que o eu lírico possuía, mas ele demonstra ter se desapegado desse desejo e desse sentimento.
E) INCORRETA: não há a construção da imagem de arrependimento, mas quando o eu lírico diz: "Tudo isso eu te devo" o que ele quer dizer, na verdade, é que (de forma irônica) o "tu" do qual ele se refere no poema o ajudou muito a evoluir e a se desapegar dos sentimentos do passado.
(ENEM - 2015)
Exmº Sr. Governador:
Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]
ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.
Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS
RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.
O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor
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(ENEM - 2015)
Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.
POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.
Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela
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Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.
BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que
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(ENEM - 2015)
Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]
Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]
É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?
TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)
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