Questão 81666

(ENEM - 2023)

Alguém muito recentemente cortara o mato, que na época das chuvas crescia e rodeava a casa da mãe de Ponciá Vicêncio e de Luandi. Havia também vestígios de que a terra fora revolvida, como se ali fosse plantar uma pequena roça. Luandi sorriu. A mãe devia estar bastante forte, pois ainda labutava a terra. Cantou alto uma cantiga que aprendera com o pai, quando eles trabalhavam na terra dos brancos. Era uma canção que os negros mais velhos ensinavam aos mais novos. Eles diziam ser uma cantiga de voltar, que os homens, lá na África, entoavam sempre, quando estavam regressando da pesca, da caça ou de algum lugar. O pai de Luandi, no dia em que queria agradar à mulher, costumava entoar aquela cantiga ao se aproximar de casa. Luandi não entendia as palavras do canto; sabia, porém, que era uma língua que alguns negros falavam ainda, principalmente os velhos. Era uma cantiga alegre. Luandi, além de cantar, acompanhava o ritmo batendo com as palmas das mãos em um atabaque imaginário. Estava de regresso à terra. Voltava em casa. Chegava cantando, dançando a doce e vitoriosa cantiga de regressar.

EVARISTO, C. Ponciá Vicêncio. Rio de Janeiro: Pallas, 2018.

 

A leitura do texto permite reconhecer a “cantiga de voltar” como patrimônio linguístico que

A

representa a memória de uma língua africana extinta.

B

exalta a rotina executada por jovens afrodescendentes.

C

preserva a ancestralidade africana por meio da tradição oral.

D

resgata a musicalidade africana por meio de palavras inteligíveis.

E

remonta à tristeza dos negros mais velhos com saudade da África.

Gabarito:

preserva a ancestralidade africana por meio da tradição oral.



Resolução:

a) INCORRETA, visto que a língua africana ainda não foi extinta, é falada por alguns negros, principalmente os velhos, como o texto indica.

b) INCORRETA, pois a canção, apesar de ser originalmente associada a uma rotina, não é entoada somente por jovens afrodescendentes. Lendo o texto fica claro que seu uso originou-se na África e foi disseminado.

c) CORRETA, considerando que a canção foi aprendida através da tradição oral, passada de geração em geração. O fato de a canção ser em uma língua falada principalmente pelos velhos e cuja origem remonta à África também são elementos que indicam a finalidade da preservação ancestral.

d) INCORRETA, uma vez que as palavras não são inteligíveis, Luandi não entende as palavras da canção.

e) INCORRETA, dado que não há uma associação da canção à tristeza motivada pela saudade. A canção era entoada na volta para casa, mas não há uma associação clara da noção de "casa" ao continente africano.



Questão 1778

(ENEM - 2015)

Exmº Sr. Governador:

Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]

ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS

RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.

O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor

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Questão 1781

(ENEM - 2015)

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.

Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.

Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.

POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela

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Questão 1782

Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.

BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que

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Questão 1783

(ENEM - 2015)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

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