Questão 81997

Você foi estudar para o vestibular na casa de um/a colega de classe em um final de semana. Lá, em meio a leituras e resolução de exercícios, você percebeu a presença de uma empregada doméstica trabalhando de dia e de noite. Intrigado/a, perguntou ao seu/sua colega a respeito da funcionária e foi surpreendido/a com a resposta de que ela morava em casa e era considerada parte da família. Não convencido/a, você decidiu denunciar aquela situação ao Ministério Público do Trabalho. Elabore uma carta-denúncia em cujo texto você: a) descreva uma situação testemunhada na casa de seu colega que pode ser considerada crime e b) argumente no sentido de defender os direitos daquela empregada doméstica. Você deve, obrigatoriamente, se apropriar de elementos da coletânea a seguir, demonstrando leitura crítica dela na elaboração de seu texto.

1. O Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 1.443 pessoas em condições análogas à escravidão no primeiro semestre de 2023. É quase o dobro do total de 771 resgates feitos em todo o primeiro semestre de 2022. Os registros cresceram especialmente após a liberação de trabalhadores encontrados em situação degradante em vinícolas no Rio Grande do Sul, em fevereiro. Os dados oficiais sugerem um aumento de casos de escravidão contemporânea no Brasil, mas a questão é: aumentaram os crimes ou as denúncias? De fato, a fiscalização aumentou desde o início do atual governo. Até junho de 2023 foram realizadas 174 ações, contra 63 no mesmo período de 2022. Os 1.443 resgates são o maior resultado dos últimos 12 anos. (Adaptado de: “135 anos após a Lei Áurea, trabalho análogo à escravidão tem ápice em 12 anos”. Folha de São Paulo, 03/07/2023.)

2. Saí de Belo Horizonte com 19 anos e fui para o Rio de Janeiro 3. trabalhar como empregada doméstica. Fiquei mais de 50 anos com a mesma família. A patroa providenciou meus documentos pessoais e carteira de trabalho. A carteira nunca ganhou uma assinatura. Fazia tudo na casa e levava as crianças para a escola. Vi os filhos crescerem, se casarem e até nascer um neto da patroa. Morava num condomínio fechado e passava o tempo todo fazendo o serviço da casa. Não podia parar para sentar, a patroa reclamava. Na hora de dormir, eu colocava um colchonete no chão do escritório. Não reclamava, porque eu não tinha outro lugar para morar. No começo, a dona da casa era boa pra mim, comprava minhas roupas. Nunca tirei férias na vida e também não tinha salário. Ela me falava que o meu salário ajudava nas compras da casa. Quando a patroa bebia, ficava violenta, aí me batia sem motivo. Eu já não aguentava mais o sofrimento que estava passando ali. Às vezes chorava escondida nos cantos. Um dia falei tudo o que acontecia para a vizinha, que sempre me vigiava e via a patroa me xingando. Fui resgatada em setembro de 2021. (Adaptado de: SANTANA, J.; FLORA, K. “Escravidão hoje: mulheres afetadas pelo trabalho escravo lutam por indenização”. Depoimento de Vera, 75 anos (nome fictício). Folha de São Paulo, 02/07/2023.)

3.

LOBATO, M. Quitutes da Tia Nastácia. Sítio do Picapau Amarelo. Ilustração do DVD.

4. Uma herança se transfere de geração em geração. Exemplo disso é a perpetuação da escravidão “dentro dos homens”, o que gera a “ralé de novos escravos” hoje em dia, ainda que, formalmente, não exista mais escravidão. O caso atual da exploração da ralé brasileira pela classe média para poupar tempo de tarefas domésticas, sujas e pesadas – que lhe permite utilizar o tempo “roubado” a preço vil em atividades mais produtivas e mais bem-remuneradas – mostra uma funcionalidade da miséria. Essa luta de classes silenciosa exime toda uma classe dos cuidados com os filhos e da vida doméstica, transformando o tempo poupado em dinheiro e aprendizado qualificador. A classe roubada, no caso, é condenada eternamente a desempenhar os mesmos papéis secularmente servis. (Adaptado de: SOUZA, J. “A criação da ralé de novos escravos como continuação da escravidão no Brasil moderno”. A elite do atraso: da escravidão a Bolsonaro. Rio de Janeiro: Estação Brasil, p. 84-85, 2019.)

5. Se você, “leitora amiga”, não sabe como “transformar sua empregada doméstica em auxiliar responsável e amiga da dona de casa”, não sabe como conseguir e manter a tão sonhada paz doméstica e, sobretudo, como “não perder na luta para não ficar fazendo o trabalho da empregada deixando de lado [seus] afazeres normais”, eis aqui alguns “jeitinhos astutos” para “amaciar”, “domesticar”, enfim, “domar como um bicho bravo” a sua empregada. Antes de mais nada, “se sua empregada não possuir rádio próprio, forneça-lhe um”; “dê as ordens em tom calmo e firme para não despertar a fera que existe em cada um[a] de nós”; use a estimulante fórmula Nós. Por exemplo: ‘hoje nós vamos comprar peixe’, ‘precisamos fazer faxina aqui na cozinha’ [...]”. Truques como esses e outros mais compõem o “guia prático da mulher independente”, intitulado A aventura de ser dona-de-casa (dona-de-casa vs. empregada): um assunto sério visto com bom humor, escrito por Tania Kaufmann, em 1975, com o apoio da irmã, a escritora Clarice Lispector. (Adaptado de: RONCADOR, S. A doméstica imaginária: literatura, testemunhos e a invenção da empregada doméstica no Brasil (1889-1999). Brasília: Editora Universidade de Brasília, p. 136, 2008.)

6. Dados recentemente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por ocasião dos 10 anos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das Domésticas, mostraram que houve retrocessos nos últimos anos nas garantias dadas à categoria de trabalhadores domésticos. “Trabalho doméstico não é favor, é uma profissão. Se hoje temos queda do número de carteiras assinadas em nossa categoria, é porque estão sonegando nossos direitos para burlar a lei. Se a elite brasileira quer ter empregados em casa, então precisa se conscientizar sobre o cumprimento dos direitos trabalhistas de quem emprega”, afirma Maria Izabel Monteiro, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro. (Adaptado de: MIRANDA, E. “PEC das Domésticas completa 10 anos com queda no número de vagas com carteira assinada”. Brasil de fato. 12/04/2023.)

 

Gabarito:

Resolução:

Ao redigir sobre a situação da empregada doméstica, é importante começar detalhando o cenário observado na casa do colega, descrevendo a jornada de trabalho da empregada, as condições em que ela mora e trabalha, e qualquer elemento que possa indicar violações dos direitos trabalhistas.

Use os exemplos e relatos da coletânea para embasar seus argumentos. Referencie dados sobre resgates de pessoas em situações análogas à escravidão pelo Ministério do Trabalho, o testemunho comovente de Vera e as estatísticas do IBGE que apontam retrocessos nos direitos dos trabalhadores domésticos. Isso ajudará a fortalecer suas denúncias e mostrará a seriedade do problema.

Ao defender os direitos da empregada, foque em aspectos como a ausência de registro na carteira de trabalho, a falta de férias e salário, ressaltando como essas condições violam direitos fundamentais.

Conclua sua carta enfatizando a importância de uma investigação para garantir que os direitos da empregada sejam respeitados e que nenhuma forma de exploração ou desrespeito aos direitos trabalhistas prevaleça.



Questão 1778

(ENEM - 2015)

Exmº Sr. Governador:

Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]

ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS

RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.

O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor

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Questão 1781

(ENEM - 2015)

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.

Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.

Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.

POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela

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Questão 1782

Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.

BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que

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Questão 1783

(ENEM - 2015)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

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