Questão 1969

(ENEM - 2014)

TEXTO l

Ditado popular é uma frase sentenciosa, concisa, de verdade comprovada, baseada na secular experiência do povo, exposta de forma poética, contendo uma norma de conduta ou qualquer outro ensinamento.

WEITZEL, A. H. Folclore literário e linguístico. Juiz de Fora: Esdeva, 1984 (fragmento).

 

TEXTO II

Rindo brincalhona, dando-lhe tapinhas nas costas, prima Constança disse isto, dorme no assunto, ouça o travesseiro, não tem melhor conselheiro.

Enquanto prima Biela dormia no assunto, toda a casa se alvoroçava.

[Prima Constança] ia rezar, pedir a Deus para iluminar prima Biela. Mas ia também tomar suas providências. Casamento e mortalha, no céu se talha. Deus escreve direito por linhas tortas. O que for soará. Dizia os ditados todos, procurando interpretar os desígnios de Deus, transformar os seus desejos nos desígnios de Deus. Se achava um instrumento de Deus.

DOURADO, A. Uma vida em segredo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990 (fragmento).

 

O uso que prima Constança faz dos ditados populares, no texto II, constitui uma maneira de utilizar o tipo de saber definido no texto l, porque

A

cita-os pela força do hábito.

B

os aceita como verdade absoluta.

C

aciona-os para justificar suas ações.

D

toma-os para solucionar um problema.

E

considera-os como uma orientação divina.

Gabarito:

aciona-os para justificar suas ações.



Resolução:

A) INCORRETA: porque não descreve os atos realizados automaticamente ou sem pensar, apenas uma rotina da personagem como pode ser percebida em alguns trechos "prima Constança disse isto, dorme no assunto, ouça o travesseiro, não tem melhor conselheiro.";"[Prima Constança] ia rezar, pedir a Deus para iluminar prima Biela."

B) INCORRETA: pois o personagem aceita os ditados populares “como verdade absoluta”, o que corresponde na definição do Texto I ao seu caráter de “verdade comprovada”, contudo, por meio dessa constatação apresenta a justificativa das ações tomadas pelas personagens, como é observado no fragmento "[Prima Constança] ia rezar, pedir a Deus para iluminar prima Biela. Mas ia também tomar suas providências."

C) CORRETA: A afirmativa está coerente com o que está relacionado entre o texto I e o texto II. A personagem repete para si os ditados como se fossem verdades absolutas, tomando do texto I o caráter de "verdade comprovada". Sabendo que o casamento já é algo que irá se realizar, os ditados são colocados como formas de justificar e de aceitar o mesmo (a ação, no caso). Note que Constança tenta acalmar a si mesma recitando os ditados, buscando ter fé no que ainda está por vir.

D) INCORRETA: pois vemos que o trecho não trata de um problema, já que podemos entender que Biela ia casar de uma forma ou de outra, tanto que Constança diz a ela para "dormir no assunto", ou seja, tentar ver as coisas de uma perspectiva diferente. Então o casamento em si não é um problema e também vemos que os ditados não falam sobre como resolver problemas, não versam sobre tomar providências por si mesmo, é justamente o contrário, eles falam sobre aceitação do destino e conformidade.

E) INCORRETA: A personagem não os toma como uma ordem de Deus, o que ela quer é fazer crer que os seus desejos são também os de Deus.



Questão 1778

(ENEM - 2015)

Exmº Sr. Governador:

Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]

ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS

RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.

O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor

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Questão 1781

(ENEM - 2015)

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.

Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.

Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.

POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela

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Questão 1782

Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.

BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que

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Questão 1783

(ENEM - 2015)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

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