(ENEM - 2016 - 2ª aplicação)
Pode-se admitir que a experiência passada dá somente uma informação direta e segura sobre determinados objetos em determinados períodos do tempo, dos quais ela teve conhecimento. Todavia, é esta a principal questão sobre a qual gostaria de insistir: por que esta experiência tem de ser estendida a tempos futuros e a outros objetos que, pelo que sabemos, unicamente são similares em aparência. O pão que outrora comi alimentou-me, isto é, um corpo dotado de tais qualidades sensíveis estava, a este tempo, dotado de tais poderes desconhecidos. Mas, segue-se daí que este outro pão deve também alimentar-me como ocorreu na outra vez, e que qualidades sensíveis semelhantes devem sempre ser acompanhadas de poderes ocultos semelhantes? A consequência não parece de nenhum modo necessária.
HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1995.
O problema descrito no texto tem como consequência a
universalidade do conjunto das proposições de observação.
normatividade das teorias científicas que se valem da experiência.
dificuldade de se fundamentar as leis científicas em bases empíricas.
inviabilidade de se considerar a experiência na construção da ciência.
correspondência entre afirmações singulares e afirmações universais.
Gabarito:
dificuldade de se fundamentar as leis científicas em bases empíricas.
c) Correta. dificuldade de se fundamentar as leis científicas em bases empíricas.
Nesse texto, David Hume está explanando sobre os limites que a abordagem empírica pode trazer. Ele dá um exemplo do pão: se, no passado, comi um pão e saciei minha fome, unicamente essa experiência não me garante que um pão futuro, que é similar ao outro apenas na aparência, irá cumprir o mesmo objetivo que outrora cumpriu. O autor explica que essa relação de causa e efeito não é necessária, pois pode não se dar sempre. O problema é que isso acarreta uma dificuldade de se fundamentar as leis científicas em base empíricas nos fatos, pois as leis científicas buscam o que é universal e necessário, como as leis da gravidade — que são leis por descrever aquilo que não pode mudar, que é necessário. Portanto, o empirismo radical de Hume reduz essas leis científicas a regularidades naturais.
a) Incorreta. universalidade do conjunto das proposições de observação.
A universalidade indica formas de conhecimento dedutivas que supõe que haja características e categorias de conhecimento e nas coisas que sejam universais, válidas para todos. Por isso, o empirismo humeano não pode englobar qualquer tipo de universalidade, pois o conhecimento é indutivo e provável; não é o problema do conhecimento.
b) Incorreta. normatividade das teorias científicas que se valem da experiência.
Primeiro, a posição de Hume acerca do procedimento epistemológico para adquirir conhecimento não postula um tipo de normatividade das teorias científicas, fundada sobre a necessidade e universalidade — elementos recusados pelo empirismo de Hume. Segundo, tal aspecto não se torna uma consequência do fator abordado no texto, uma vez que o autor critica o modo como "a experiência passada dá somente uma informação direta e segura sobre determinados objetos em determinados períodos do tempo, dos quais ela teve conhecimento".
d) Incorreta. inviabilidade de se considerar a experiência na construção da ciência.
Esse aspecto não encampa o ideal de um filósofo empirista, que usa justamente a experiência para a construção das ideias.
e) Incorreta. correspondência entre afirmações singulares e afirmações universais.
Para Hume, não era possível se chegar a conclusão de verdade absolutas, apenas lidar com o aparente. Aqui vale uma interpretação mais adequada do comando da questão, o qual pede que descreva qual é o problema que as ideias do texto da questão acarretam. Ou seja, deve-se descrever as consequências do fato de o conhecimento ocorrer empiricamente e a não necessidade da consequência no que ocorre e é percebido pela sensação; o problema é que isso acarreta uma dificuldade de se fundamentar as leis científicas em base empíricas e universal nos fatos, pois as leis científicas buscam o que é universal e necessário, como as leis da gravidade. O texto não afirma que o problema do fato de o conhecimento ocorrer empiricamente e a não necessidade da consequência no que ocorre e é percebido pela sensação é a universalidade do conjunto das proposições de observação ou a correspondência entre afirmações singulares e afirmações universais, pois isso não é consequência do que foi anunciado pelo texto.
(ENEM - 2015)
Exmº Sr. Governador:
Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]
ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.
Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS
RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.
O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor
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(ENEM - 2015)
Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.
POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.
Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela
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Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.
BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que
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(ENEM - 2015)
Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]
Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]
É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?
TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)
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