Questão 11452

(ENEM - 2016)

Em casa, Hideo ainda podia seguir fiel ao imperador japonês e às tradições que trouxera no navio que aportara em Santos. [...] Por isso Hideo exigia que, aos domingos, todos estivessem juntos durante o almoço. Ele se sentava à cabeceira da mesa; à direita ficava Hanashiro, que era o primeiro filho, e Hitoshi, o segundo, e à esquerda, Haruo, depois Hiroshi, que era o mais novo. [...] A esposa, que também era mãe, e as filhas, que também eram irmãs, aguardavam de pé ao redor da mesa [...]. Haruo reclamava, não se cansava de reclamar: que se sentassem também as mulheres à mesa, que era um absurdo aquele costume. Quando se casasse, se sentariam à mesa a esposa e o marido, um em frente ao outro, porque não era o homem melhor que a mulher para ser o primeiro [...]. Elas seguiam de pé, a mãe um pouco cansada dos protestos do filho, pois o momento do almoço era sagrado, não era hora de levantar bandeiras inúteis [...].

NAKASATO, O. Nihonjin. São Paulo: Benvirá, 2011 (fragmento).

Referindo-se a práticas culturais de origem nipônica, o narrador registra as reações que elas provocam na família e mostra um contexto em que

A

a obediência ao imperador leva ao prestígio pessoal.

B

as novas gerações abandonam seus antigos hábitos.

C

a refeição é o que determina a agregação familiar.

D

os conflitos de gênero tendem a ser neutralizados.

E

o lugar à mesa metaforiza uma estrutura de poder.

Gabarito:

o lugar à mesa metaforiza uma estrutura de poder.



Resolução:

A) INCORRETA: pois o debate que está sendo levantado no texto não é o prestígio pessoal, mas a percepção familiar diante da situação em que as mulheres não podem se assentar à mesa.

B) INCORRETA: Se a palavra fosse "questiona" no lugar de abandona, a alternativa estaria correta, mas o que ocorre - apenas hipotetica e discursivamente - não é um abandono presente (e geral, pois se mostra gesto isolado de Haruo) dos hábitos patriarcalistas japoneses. 

C) INCORRETA: não é a refeição que está determinando coisa alguma nesse texto, mas é a cultura da qual veio a família de Hideo que os fazem repetir os mesmos costumes praticados no Japão, mas em Santos.

D) INCORRETA: Certamente podemos identificar o protesto de um dos filhos, assim como a postura dura da mãe sobre essas ideias. Quando é dito que "não era hora de levantar bandeiras inúteis", não podemos dizer que a mãe está neutralizando os conflitos de gênero, mas ela está neutralizando o protesto a esses conflitos. Podemos perceber isso, porque a situação permanece a mesma: os homens sentados à mesa e as mulheres esperando em pé ao redor. Isso significa que os conflitos de gênero não foram neutralizados, mas permanecem.

E) CORRETA: Os lugares a mesa representam uma estrutura/hierarquia da sociedade japonesa. O pai, como figura mais importante, seguida dos filhos, do mais velho para o mais novo. As mulheres da família, mãe e filhas, ficavam em pé ao redor da mesa. Essa figuração metaforiza a estrutura de poder, que é protagonizado por homens.



Questão 1778

(ENEM - 2015)

Exmº Sr. Governador:

Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]

ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS

RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.

O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor

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Questão 1781

(ENEM - 2015)

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.

Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.

Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.

POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela

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Questão 1782

Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.

BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que

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Questão 1783

(ENEM - 2015)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

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