(ENEM - 2020 - PROVA AMARELA)
Viajo Curitiba das conferências positivistas, eles são onze em Curitiba, há treze no mundo inteiro; do tocador de realejo que não roda a manivela desde que o macaquinho morreu; dos bravos soldados do fogo que passam chispando no carro vermelho atrás do incêndio que ninguém não viu, esta Curitiba e a do cachorro-quente com chope duplo no Buraco do Tatu eu viajo.
Curitiba, aquela do Burro Brabo, um cidadão misterioso morreu nos braços da Rosicler, quem foi? quem não foi? foi o reizinho do Sião; da Ponte Preta da estação, a única ponte da cidade, sem rio por baixo, esta Curitiba viajo.
Curitiba sem pinheiro ou céu azul, pelo que vosmecê é – província, cárcere, lar –, esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor eu viajo, viajo, viajo.
TREVESIAN,D. Em busca de Curitiba perdida. Rio de Janeiro. Record. 1992
A tematização de Curitiba é frequente na obra de Dalton Trevisan. No fragmento, a relação do narrador com o espaço urbano é caracterizada por um olhar
destituído de afetividade, que ironiza os costumes e tradições da sociedade curitibana.
marcado pela negatividade, que busca desconstruir perspectivas habituais de representação da cidade.
carregado de melancolia, que constava a falta de identidade cultural diante dos impactos da urbanização.
embevecido pela simplicidade do cenário, indiferente à descrição de elementos de reconhecido valor histórico.
distanciado dos elementos narrados, que recorre ao ponto de vista do viajante como expressão de estranhamento.
Gabarito:
marcado pela negatividade, que busca desconstruir perspectivas habituais de representação da cidade.
A) INCORRETA: pois no final do texto é possível ver que o autor possui uma certa afetividade em relação à sua cidade Curitiba, como visto em: "com amor eu viajo, viajo, viajo."
B) CORRETA: Devemos notar a escolha de vocábulos por parte do cronista: "Viajo Curitiba [...]do tocador de realejo que não roda a manivela desde que o macaquinho morreu; dos bravos soldados do fogo que passam chispando no carro vermelho atrás do incêndio que ninguém não viu [...] Curitiba, aquela do Burro Brabo, um cidadão misterioso morreu nos braços da Rosicler, quem foi? quem não foi? [...] da Ponte Preta da estação, a única ponte da cidade, sem rio por baixo, esta Curitiba viajo. Vemos que as referências à cidade natal são ESVAZIADAS, por meio de negações, mortes e ausências. A negatividade, portanto, se manifesta no desejo de desconstruir referenciais positivos, trazendo seu avesso, seu oposto, seu vazio. Para além disso, a escolha de elementos banais da cidade (como "Buraco do Tatu", "Burro Brabo", "estação"), e trechos como "sem pinheiro ou céu azul" e "não a outra para inglês ver", mostram a intenção de Trevisan de desconstruir referências convencionais, belas, positivas e turísticas de Curitiba, mostrando, justamente, um lado desconhecido (esse "avesso") da cidade.
C) INCORRETA: há de fato uma grande melancolia nesse relato de Curitiba, mas não podemos dizer que há uma falta de identidade cultural, pois podemos ver em diversos momentos do texto que há caracterizações próprias da cidade, como em "esta Curitiba e a do cachorro-quente com chope duplo no Buraco do Tatu".
D) INCORRETA: uma vez que o cenário descrito por Dalton Trevisan não pode ser caracterizado como simples ou mesmo apresenta uma indiferença sobre a descrição de reconhecido valor histórico. O que temos aqui é a descrição particular e subjetiva do cenário curitibano, onde são apontados elementos particulares da cidade, que só podem ser realmente identificados por aqueles que conhecem o lugar detalhadamente.
E) INCORRETA: o autor não fala com distanciamento nem com estranheza, mas ele fala como uma pessoa que vive constantemente em Curitiba porque sabe dos costumes que são característicos da cidade.
(ENEM - 2015)
Exmº Sr. Governador:
Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.
[...]
ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela - um telegrama.
Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILlANO RAMOS
RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962.
O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, prefeito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por contrariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor
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(ENEM - 2015)
Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.
POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.
Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela
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Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.
BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que
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(ENEM - 2015)
Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]
Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei furiosa. [...]
É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?
TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)
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