Questão 2330

(FUVEST - 2015)

O OPERÁRIO NO MAR


Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa.
No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário
está na sua blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas,
nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um
homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com
uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios
e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não
sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com
algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e
os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de
perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam
da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na
Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando.
Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que
mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria
vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é,
nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E
me despreza... Ou talvez seja eu próprio que me despreze a
seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma
fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em
frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar-lhe
que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu
pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de
navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não
vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal.
Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde
estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas
agora vejo que o operário está cansado e que se molhou,
não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos.
Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez
e confusão do seu rosto são a própria tarde que se
decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos
irremediavelmente separados pelas circunstâncias
atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único
e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez
mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se
contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as
medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me
uma esperança de compreensão. Sim, quem sabe se um dia
o compreenderei?

ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo.

Dentre estas propostas de substituição para diferentes trechos do texto, a única que NÃO está correta do ponto de vista da norma-padrão é:

A

“Para onde vai ele, (...)?” = Aonde vai ele, (...)?

B

“O operário não lhe sobra tempo de perceber” = Ao operário não lhe sobra tempo de perceber.

C

“Teria vergonha de chamá-lo meu irmão” = Teria vergonha de chamá-lo de meu irmão.

D

“Tenho vergonha e vontade de encará-lo” = Tenho vergonha e vontade de o encarar.

E

“quem sabe se um dia o compreenderei” = quem sabe um dia compreenderei-o.

Gabarito:

“quem sabe se um dia o compreenderei” = quem sabe um dia compreenderei-o.



Resolução:

Dentre estas propostas de substituição para diferentes trechos do texto, a única que NÃO está correta do ponto de vista da norma-padrão é:

Alternativas

A. “Para onde vai ele, (...)?” = Aonde vai ele, (...)? Comentário: alternativa incorreta. A expressão “Para onde vai ele, (...)?” está gramaticalmente correta porque a ordem dos elementos que constituem a oração estão dentro da ordem sintática adequada e compreensível para o receptor da mensagem , sendo que tal interrogação é equivalente ao mesmo significado "Aonde vai ele, (...)?"

B. “O operário não lhe sobra tempo de perceber” = Ao operário não lhe sobra tempo de perceber. Comentário: alternativa incorreta. A troca do artigo "o" pela preposição "ao" implica uma atribuição de não sobrar tempo para o operário.

C. “Teria vergonha de chamá-lo meu irmão” = Teria vergonha de chamá-lo de meu irmão.Comentário: alternativa incorreta.A alternativa C ":“Teria vergonha de chamá-lo meu irmão” = Teria vergonha de chamá-lo de meu irmão. " está correta a mudança, pois o verbo "chamar" apresenta outra possibilidade de transitividae( Quem chama....chama de alguma coisa), sendo necessário empregar a preposição "de" logo após o verbo, considerado um verbo transitivo indireto, nesse caso.

D. “Tenho vergonha e vontade de encará-lo” = Tenho vergonha e vontade de o encarar. Comentário: alternativa incorreta. Está correta a substituição, uma vez que, apesar de o verbo no infinitivo (encarar) pedir ênclise, nesse caso, ele vem precedido de preposição e tem um sujeito claro, ou seja, trata-se de um infinitivo flexionado, o que torna a próclise possível.

E. “quem sabe se um dia o compreenderei” = quem sabe um dia compreenderei-o. Comentário: alternativa correta. A ênclise não pode ser usada, pois há um advérbio (um dia) antes do pronome "o", e advérbios são palavras atrativas, logo é um caso de próclise obrigatória.



Questão 1779

(FUVEST - 2016 - 1ª FASE)

No contexto do cartum, a presença de numerosos animais de estimação permite que o juízo emitido pela personagem seja considerado

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Questão 1780

(FUVEST - 2016 - 1ª FASE)

Para obter o efeito de humor presente no cartum, o autor se vale, entre outros, do seguinte recurso:

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Questão 1794

(Fuvest 2016)

Omolu espalhara a bexiga na cidade. Era uma vingança contra a cidade dos ricos. Mas os ricos tinham a vacina, que sabia Omolu de vacinas? Era um pobre deus das florestas d’África. Um deus dos negros pobres. Que podia saber de vacinas? Então a bexiga desceu e assolou o povo de Omolu. Tudo que Omolu pôde fazer foi transformar a bexiga de negra em alastrim, bexiga branca e tola. Assim mesmo morrera negro, morrera pobre. Mas Omolu dizia que não fora o alastrim que matara. Fora o 1lazareto. Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O lazareto é que os matava. Mas as macumbas pediam que ele levasse a bexiga da cidade, levasse para os ricos latifundiários do sertão. Eles tinham dinheiro, léguas e léguas de terra, mas não sabiam tampouco da vacina. O Omolu diz que vai pro sertão. E os negros, os ogãs, as filhas e pais de santo cantam:

Ele é mesmo nosso pai
e é quem pode nos ajudar...

Omolu promete ir. Mas para que seus filhos negros não o esqueçam avisa no seu cântico de despedida:

Ora, adeus, ó meus filhinhos,
Qu’eu vou e torno a vortá...

E numa noite que os atabaques batiam nas macumbas, numa noite de mistério da Bahia, Omolu pulou na máquina da Leste Brasileira e foi para o sertão de Juazeiro. A bexiga foi com ele.

Jorge Amado, Capitães da Areia.

1lazareto: estabelecimento para isolamento sanitário de pessoas atingidas por determinadas doenças.

Costuma-se reconhecer que Capitães da Areia pertence ao assim chamado “romance de 1930”, que registra importantes transformações pelas quais passava o Modernismo no Brasil, à medida que esse movimento se expandia e diversificava. No excerto, considerado no contexto do livro de que faz parte, constitui marca desse pertencimento

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Questão 1804

(Fuvest 2012)

Como não expressa visão populista nem elitista, o livro não idealiza os pobres e rústicos, isto é, não oculta o dano causado pela privação, nem os representa como seres desprovidos de vida interior; ao contrário, o livro trata de realçar, na mente dos desvalidos, o enlace estreito e dramático de limitação intelectual e esforço reflexivo. 

Essas afirmações aplicam-se ao modo como, na obra:

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