Questão 44210

(FUVEST - 2020 - 1ª fase)

Cantiga de enganar

(...)

O mundo não tem sentido.

O mundo e suas canções

de timbre mais comovido

estão calados, e a fala

que de uma para outra sala

ouvimos em certo instante

é silêncio que faz eco

e que volta a ser silêncio

no negrume circundante.

Silêncio: que quer dizer?

Que diz a boca do mundo?

Meu bem, o mundo é fechado,

se não for antes vazio.

O mundo é talvez: e é só.

Talvez nem seja talvez.

O mundo não vale a pena,

mas a pena não existe.

Meu bem, façamos de conta.

De sofrer e de olvidar,

de lembrar e de fruir,

de escolher nossas lembranças

e revertê‐las, acaso

se lembrem demais em nós.

Façamos, meu bem, de conta

– mas a conta não existe –

que é tudo como se fosse,

ou que, se fora, não era.

(...)

Carlos Drummond de Andrade, Claro Enigma

 

Em Claro Enigma, a ideia de engano surge sob a perspectiva do sujeito maduro, já afastado das ilusões, como se lê no verso‐síntese “Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.” (“Legado”). O excerto de “Cantiga de enganar” apresenta a relação do eu com o mundo mediada

A

 pela música, que ressoa em canções líricas.

B

 pela cor, brilhante na claridade solar.

C

 pela afirmação de valores sólidos.

D

 pela memória, que corre fluida no tempo.

E

 pelo despropósito de um faz‐de‐conta.

Gabarito:

 pelo despropósito de um faz‐de‐conta.



Resolução:

[E]

Comentário das alternativas: 

a) Incorreta. A música é abordada em seu vazio, como processo incapaz de mediar relações ("O mundo e suas canções/ de timbre mais comovido/ estão calados [...]); 

b) Incorreta. A perspectiva da luminosidade e do brilho é quebrada, também, pela figuração do vazio ("é silêncio que faz eco/ e que volta a ser silêncio/ no negrume circundante") O "negrume" aparece como escuridão, ausência de brilho, que circunda o eu drummondiano;

c) Incorreta. O eu lírico se afasta da "solidez", figurando um mundo de dúvidas e hesitações, instâncias liquefeitas, incertas e desencantadas ("O mundo é talvez: e é só/ Talvez nem seja talvez."); 

d) Incorreta. A memória é revelada, no poema, como instância igualmente vaga e relativa. Ela não cumpre o papel de mediação, mas sim de uma instância que deve entrar num jogo de lembrança e esquecimento, e reverter-se caso seja demasiada; 

e) Correta. A partir do verso "Meu bem, façamos de conta.", o eu-lírico revela que o "faz de conta" é a alternativa encontrada diante da percepção dissonante do mundo. O fingimento e as ilusões são a única lógica capaz de penetrar o despropósito ("que, se fora, não era.") da existência. 



Questão 1779

(FUVEST - 2016 - 1ª FASE)

No contexto do cartum, a presença de numerosos animais de estimação permite que o juízo emitido pela personagem seja considerado

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Questão 1780

(FUVEST - 2016 - 1ª FASE)

Para obter o efeito de humor presente no cartum, o autor se vale, entre outros, do seguinte recurso:

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Questão 1794

(Fuvest 2016)

Omolu espalhara a bexiga na cidade. Era uma vingança contra a cidade dos ricos. Mas os ricos tinham a vacina, que sabia Omolu de vacinas? Era um pobre deus das florestas d’África. Um deus dos negros pobres. Que podia saber de vacinas? Então a bexiga desceu e assolou o povo de Omolu. Tudo que Omolu pôde fazer foi transformar a bexiga de negra em alastrim, bexiga branca e tola. Assim mesmo morrera negro, morrera pobre. Mas Omolu dizia que não fora o alastrim que matara. Fora o 1lazareto. Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O lazareto é que os matava. Mas as macumbas pediam que ele levasse a bexiga da cidade, levasse para os ricos latifundiários do sertão. Eles tinham dinheiro, léguas e léguas de terra, mas não sabiam tampouco da vacina. O Omolu diz que vai pro sertão. E os negros, os ogãs, as filhas e pais de santo cantam:

Ele é mesmo nosso pai
e é quem pode nos ajudar...

Omolu promete ir. Mas para que seus filhos negros não o esqueçam avisa no seu cântico de despedida:

Ora, adeus, ó meus filhinhos,
Qu’eu vou e torno a vortá...

E numa noite que os atabaques batiam nas macumbas, numa noite de mistério da Bahia, Omolu pulou na máquina da Leste Brasileira e foi para o sertão de Juazeiro. A bexiga foi com ele.

Jorge Amado, Capitães da Areia.

1lazareto: estabelecimento para isolamento sanitário de pessoas atingidas por determinadas doenças.

Costuma-se reconhecer que Capitães da Areia pertence ao assim chamado “romance de 1930”, que registra importantes transformações pelas quais passava o Modernismo no Brasil, à medida que esse movimento se expandia e diversificava. No excerto, considerado no contexto do livro de que faz parte, constitui marca desse pertencimento

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Questão 1804

(Fuvest 2012)

Como não expressa visão populista nem elitista, o livro não idealiza os pobres e rústicos, isto é, não oculta o dano causado pela privação, nem os representa como seres desprovidos de vida interior; ao contrário, o livro trata de realçar, na mente dos desvalidos, o enlace estreito e dramático de limitação intelectual e esforço reflexivo. 

Essas afirmações aplicam-se ao modo como, na obra:

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