(FUVEST 2008)
Em janeiro de 1935, um grupo de turistas pernambucanos passeava de carro quando deu de cara com Lampião e seu bando. Revirando a bagagem do grupo, um cangaceiro encontrou uma Kodak e entregou ao chefe, que perguntou a quem ela pertencia. Apavorado, um deles levantou o dedo. “Quero que o senhor tire o meu retrato”, disparou o “rei do cangaço”, pondo-se a posar. O homem, esforçando-se, bateu uma chapa, mas avisou: “Capitão, esta posição não está boa”. Dando um salto e caindo de pé, Lampião perguntou: “E esta? Está melhor?” Outra foto foi feita. Quando libertava os turistas, após pilhá-los, o “fotógrafo” de ocasião indagou-lhe como podia enviar as imagens. “Não é preciso. Mande publicar nos jornais”, disse o cangaceiro.
Carlos Haag, Pesquisa FAPESP.
a) No texto, as aspas em “rei do cangaço” e “fotógrafo” foram empregadas pelo mesmo motivo? Justifique sua resposta.
b) Os trechos abaixo encontram-se em discurso indireto e discurso direto, respectivamente. Transforme em discurso direto o primeiro trecho e, em discurso indireto, o segundo.
I. (...) um cangaceiro encontrou uma Kodak e entregou ao chefe, que perguntou a quem ela pertencia.
II. “Quero que o senhor tire o meu retrato”, disparou o “rei do cangaço” (...).
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(FUVEST 2008)
O autoclismo da retrete
RIO DE JANEIRO – Em 1973, fui trabalhar numa revista brasileira editada em Lisboa. Logo no primeiro dia, tive uma amostra das deliciosas diferenças que nos separavam, a nós e aos portugueses, em matéria de língua. Houve um problema no banheiro da redação e eu disse à secretária: “Isabel, por favor, chame o bombeiro para consertar a descarga da privada.” Isabel franziu a testa e só entendeu as quatro primeiras palavras. Pelo visto, eu estava lhe pedindo que chamasse a Banda do Corpo de Bombeiros para dar um concerto particular de marchas e dobrados na redação. Por sorte, um colega brasileiro, em Lisboa havia algum tempo e já escolado nos meandros da língua, traduziu o recado: “Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete.” E só então o belo rosto de Isabel se iluminou.
Ruy Castro, Folha de S. Paulo.
a) Em São Paulo, entende-se por “encanador” o que no Rio de Janeiro se entende por “bombeiro” e, em Lisboa, por “canalizador”. Isto permitiria afirmar que, em algum desses lugares, ocorre um uso equivocado da língua portuguesa? Justifique sua resposta.
b) Uma reforma que viesse a uniformizar a ortografia da língua portuguesa em todos os países que a utilizam evitaria o problema de comunicação ocorrido entre o jornalista e a secretária. Você concorda com essa afirmação? Justifique.
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(FUVEST 2008)
Para Pirandello, o cômico nasce de uma “percepção do contrário”, como no famoso exemplo de uma velha já decrépita que se cobre de maquiagem, veste-se como uma moça e pinta os cabelos. Ao se perceber que aquela senhora velha é o oposto do que uma respeitável velha senhora deveria ser, produz-se o riso, que nasce da ruptura das expectativas, mas sobretudo do sentimento de superioridade. A “percepção do contrário” pode, porém, transformar-se num “sentimento do contrário” ʊ quando aquele que ri procura entender as razões pelas quais a velha se mascara, na ilusão de reconquistar a juventude perdida. Nesse passo, a velha da anedota não mais está distante do sujeito que percebe, porque este pensa que também poderia estar no lugar da velha ʊ e seu riso se mistura com a compreensão piedosa e se transforma num sorriso. Para passar da atitude cômica para a atitude humorística, é preciso renunciar ao distanciamento e ao sentimento de superioridade.
Adaptado de Elias Thomé Saliba, Raízes do riso.
a) Considerando o que o texto conceitua, explique brevemente qual a diferença essencial entre a “percepção do contrário” e o “sentimento do contrário”.
b) “Ao se perceber que aquela senhora velha é o oposto do que uma respeitável velha senhora deveria ser, produz-se o riso (...)”. Sem prejuízo para o sentido do trecho acima, reescreva-o, substituindo se perceber e produz-se por formas verbais cujo sujeito seja nós e é o oposto por não corresponde. Faça as adaptações necessárias.
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(FUVEST 2008)
I. Não deis aos cães o que é santo, nem atireis aos porcos as vossas pérolas (...).
(Mateus, 7:6)
II. Você pode atirar pérolas aos porcos. Mas não adianta nada atirar pérolas aos gatos, aos cães ou às galinhas porque isso não tem nenhum significado estabelecido.
Millôr Fernandes, Millôr definitivo: a bíblia do caos.
a) Considerando-se que o texto II tem como referência o texto I, qual é a expressão que, de acordo com Millôr Fernandes, tem um “significado estabelecido”?
b) No texto I, os significados dos segmentos “não deis aos cães o que é santo” e “nem atireis aos porcos as vossas pérolas” reforçam-se mutuamente ou se contradizem? Justifique sucintamente sua resposta.
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(FUVEST 2008)
Considere os dois trechos de Machado de Assis relacionados a Iracema, publicados na época em que apareceu esse romance de Alencar, e responda ao que se pede.
a) A poesia americana está completamente nobilitada; os maus poetas já não podem conseguir o descrédito desse movimento, que venceu com o autor de “I - Juca Pirama”, e acaba de vencer com o autor de Iracema.
Adaptado de Machado de Assis, Crítica literária.
Machado de Assis refere-se, nesse trecho, a um movimento literário chamado, na época, de “poesia americana” ou “escola americana”. Sob que outro nome veio a ser conhecido esse movimento? Quais eram seus principais objetivos?
b) Tudo em Iracema nos parece primitivo; a ingenuidade dos sentimentos, o pitoresco da linguagem, tudo, até a parte narrativa do livro, que nem parece obra de um poeta moderno, mas uma história de bardo* indígena , contada aos irmãos, à porta da cabana, aos últimos raios do sol que se entristece.
Adaptado de Machado de Assis, Crítica literária.
*bardo: poeta heróico, entre os celtas e gálios; por extensão, qualquer poeta, trovador etc.
No trecho, Machado de Assis afirma que a narração de Iracema não parece ter sido feita por um “poeta moderno”, mas, sim, por um “bardo indígena”. Essa afirmação se justifica? Explique sucintamente.
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(FUVEST 2008)
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta* das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Alberto Caeiro, Poesia.
*Argonauta: tripulante lendário da nau mitológica Argo; por extensão, navegador ousado.
Nos versos acima, Alberto Caeiro define-se a si mesmo de um modo que tanto indica sua semelhança como sua diferença em relação a um tipo de personagem de grande importância na História de Portugal.
a) Em sua definição de si mesmo, a que tipo de personagem da História portuguesa assemelha-se o poeta? Explique brevemente.
b) Considerados no contexto geral da poesia de Alberto Caeiro, que diferença esses versos assinalam entre o poeta e o referido tipo de personagem histórica de Portugal? Explique sucintamente.
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(FUVEST 2008)
— Você janta comigo, Escobar?
— Vim para isto mesmo.
Minha mãe agradeceu-lhe a amizade que me tinha, e ele respondeu com muita polidez, ainda que um tanto atado, como se carecesse de palavra pronta. (...)
Todos ficaram gostando dele. Eu estava tão contente como se Escobar fosse invenção minha. José Dias desfechou-lhe dois superlativos, tio Cosme dois capotes, e prima Justina não achou tacha que lhe pôr; depois, sim, no segundo ou terceiro domingo, veio ela confessar-nos que o meu amigo Escobar era um tanto metediço e tinha uns olhos policiais a que não escapava nada.
— São os olhos dele, expliquei.
— Nem eu digo que sejam de outro.
— São olhos refletidos, opinou tio Cosme.
— Seguramente, acudiu José Dias, entretanto, pode ser que a senhora D. Justina tenha alguma razão. A verdade é que uma coisa não impede outra, e a reflexão casa-se muito bem à curiosidade natural. Parece curioso, isso parece, mas...
— A mim parece-me um mocinho muito sério, disse minha mãe.
— Justamente! confirmou José Dias para não discordar dela.
Quando eu referi a Escobar aquela opinião de minha mãe (sem lhe contar as outras naturalmente) vi que o
prazer dele foi extraordinário. Agradeceu, dizendo que eram bondades, e elogiou também minha mãe, senhora
grave, distinta e moça, muito moça... Que idade teria?
Machado de Assis, Dom Casmurro.
a) Um crítico afirma que, “examinada em suas relações, a população de Dom Casmurro compõe uma parentela, uma dessas grandes moléculas sociais do Brasil tradicional, no centro da qual está um proprietário mais considerável, cercado de figuras que podem incluir, entre outros, um ou mais agregados, vizinhos com obrigações, comensais, parentes pobres em graus diversos, conhecidos que aspiram à proteção (...).” (Adaptado de Roberto Schwarz, Duas meninas.)
Identifique o papel que cada uma das personagens que aparecem no trecho de Dom Casmurro desempenha na composição da referida “parentela”.
(Observação: os nomes das personagens encontram-se reproduzidos na página de respostas).
b) Na conversação apresentada no trecho, as falas de José Dias refletem a posição social que ele ocupa nessa “parentela”? Justifique sua resposta.
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(FUVEST 2008)
Em seu poema chamado “Graciliano Ramos:”, João Cabral de Melo Neto coloca-se no lugar desse escritor e desenvolve quatro afirmações:
I. “Falo somente com o que falo:” (= com os meios que uso para expressar-me, com o estilo que emprego).
II. “Falo somente do que falo:” (= dos assuntos de que trato, dos aspectos que privilegio).
III. “Falo somente por quem falo:” (= em nome de quem falo, a quem dou voz em minha obra).
IV. “Falo somente para quem falo:” (= a quem me dirijo ao escrever, de que modo trato o leitor).
Imitando o procedimento de João Cabral, coloque-se no lugar de Graciliano Ramos e desenvolva cada uma dessas quatro afirmações, tendo como referência o romance Vidas secas.
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(FUVEST - 2008 - 1ª FASE) Considere as seguintes afirmações sobre três obras literárias:
Na primeira obra, o catolicismo apresenta-se como religião absoluta, cujos princípios sólidos mais sobressaem ao serem contrapostos às desordens humanas. Na segunda obra, diferentemente, ele aparece como religião relativamente maleável, cujos preceitos as personagens acabam por adaptar a seus desejos e conveniências, sem maiores problemas de consciência subseqüentes. Já na terceira obra, o catolicismo comparece sobretudo como parte de um resgate mais amplo de valores familiares e tradicionais, empreendido pelo protagonista.
Essas afirmações referem-se, respectivamente, às seguintes obras:
(FUVEST - 2008 - 1ª FASE)
S. Paulo, 13-XI-42
Murilo
São 23 horas e estou honestissimamente em casa, imagine! Mas é doença que me prende, irmão pequeno. Tomei com uma gripe na semana passada, depois, desensarado, com uma chuva, domingo último, e o resultado foi uma sinusitezinha infernal que me inutilizou mais esta semana toda. E eu com tanto trabalho! Faz quinze dias que não faço nada, com o desânimo de apósgripe, uma moleza invencível, e as dores e tratamento atrozes. Nesta noitinha de hoje me senti mais animado e andei trabalhandinho por aí. (...)
Quanto a suas reservas a palavras do poema que lhe mandei, gostei da sua habilidade em pegar todos os casos “propositais”. Sim senhor, seu poeta, você até está ficando escritor e estilista. Você tem toda a razão de não gostar do “nariz furão”, de “comichona”, etc. Mas lhe juro que o gosto consciente aí é da gente não gostar sensitivamente. As palavras são postas de propósito pra não gostar, devido à elevação declamatória do coral que precisa ser um bocado bárbara, brutal, insatisfatória e lancinante. Carece botar um pouco de insatisfação no prazer estético, não deixar a coisa muito bem-feitinha.(...) De todas as palavras que você recusou só uma continua me desagradando “lar fechadinho”, em que o carinhoso do diminutivo é um desfalecimento no grandioso do coral.
Mário de Andrade, Cartas a Murilo Miranda.
“... estou honestissimamente em casa, imagine! Mas é doença que me prende, irmão pequeno.” No trecho acima, o termo grifado indica que o autor da carta pretende
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