FUVEST 2011

Questão 49298

(UNICAMP - 2011) 

Quando vitaminas atrapalham

Consumir suplementos de vitaminas depois de praticar exercícios físicos pode reduzir a sensibilidade à insulina, o hormônio que conduz a glicose às células de todo o corpo. Temporariamente, um pouco de estresse oxidativo – processo combatido por algumas vitaminas e que danifica as células – ajuda a evitar o diabetes tipo 2, causado pela resistência à insulina, concluíram pesquisadores das universidades de Jena, na Alemanha, e Harvard, nos Estados Unidos. Desse estudo, publicado em maio na PNAS, participaram 40 pessoas, metade delas com treinamento físico prévio, metade sem. Os dois grupos foram divididos em subgrupos que tomaram ou não uma combinação de vitaminas C e E.Todos os subgrupos praticaram exercícios durante quatro semanas e passaram por exames de avaliação de sensibilidade da glicose à insulina antes e após esse período. Apenas exercícios físicos, sem doses adicionais de vitaminas, promovem a longevidade e reduzem o diabetes tipo 2. Ao contrário do que se pensava, os resultados negam que o estresse oxidativo seja um efeito colateral indesejado da atividade física vigorosa: ele é na verdade parte do mecanismo pelo qual quem se exercita é mais saudável. A conclusão é clara: nada de antioxidantes depois de correr.

(Adaptado de “Quando vitaminas atrapalham”. Revista Pesquisa FAPESP 160, p.40, junho de 2009.)

a) Por se tratar de um texto de divulgação científica, apresenta recursos linguísticos próprios a esse gênero. Quais são eles? Transcreva dois trechos em que esses recursos estão presentes.

b) O experimento em questão concluiu que as vitaminas atrapalham. Explique como os pesquisadores chegaram a essa conclusão.

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Questão 49299

(UNICAMP - 2011) 

os dicionários de meu pai

Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase escondido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele então me disse, no seu falar meio grunhido. E por um bom tempo aquele livro me ajudou no acabamento de romances e letras de canções, sem falar das horas que eu o folheava à toa. Palavra puxa palavra e escarafunchar o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo (desenfado, espairecimento, entretém, solaz, recreio, filistria). O resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar nos meus dedos. Encostei-o na estante das relíquias ao descobrir, num sebo atrás da Sala Cecília Meireles, o mesmo dicionário em encadernação de percalina. Com esse livro escrevi novas canções e romances, decifrei enigmas, fechei muitas palavras cruzadas. E ao vê-lo dar sinais de fadiga, saí de sebo em sebo pelo Rio de Janeiro para me garantir um dicionário analógico de reserva. Encontrei dois, mas não me dei por satisfeito, fiquei viciado no negócio. Dei de vasculhar livrarias país afora, só em São Paulo adquiri meia dúzia de exemplares, e ainda rematei o último à venda na Amazon.com antes que algum aventureiro o fizesse. Eu já imaginava deter o monopólio (açambarcamento, exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo Ribeiro, que ao que me consta também tem um, quiçá carcomido pelas traças (brocas, carunchos, busanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos, bichos-carpinteiros). Hoje sou surpreendido pelo anúncio dessa nova edição do dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Sinto como se invadissem minha propriedade, revirassem meus baús, espalhassem aos ventos meu tesouro. Trata-se para mim de uma terrível (funesta, nefasta, macabra, atroz, abominável, dilacerante, miseranda) notícia.

(Adaptado de Francisco Buarque de Hollanda, em Francisco F. dos S. Azevedo, Dicionário Analógico da Língua Portuguesa: ideias afins/thesaurus. 2ª edição atualizada e revista, Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.)

a) A partir do texto de Chico Buarque que introduz o dicionário analógico recentemente reeditado, proponha uma definição para esse tipo de dicionário.

b) Mostre a partir de que pistas do texto sua definição foi elaborada.

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Questão 49300

(UNICAMP - 2011)

a) Nessa tira de Laerte a graça é produzida por um deslizamento de sentido. Qual é ele?

b) Descreva esse deslizamento quadro a quadro, mostrando a relação das imagens com o que é dito.

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Questão 49301

(UNICAMP - 2011) 

Gramática

Composição de Sandra Peres e Luiz Tatit (Palavra Cantada)

O substantivo
É o substituto
do conteúdo


O adjetivo
É a nossa impressão
sobre quase tudo


O diminutivo
É o que aperta o mundo
E deixa miúdo


O imperativo
É o que aperta os outros
e deixa mudo 

Um homem de letras
Dizendo ideias
Sempre se inflama


Um homem de ideias
Nem usa letras
Faz ideograma


Se altera as letras
E esconde o nome
Faz anagrama


Mas se mostro o nome
Com poucas letras
É um telegrama 

Nosso verbo ser
É uma identidade
Mas sem projeto


E se temos verbo
Com objeto
É bem mais direto


No entanto falta
Ter um sujeito
Pra ter afeto


Mas se é um sujeito
Que se sujeita
Ainda é objeto 

Todo barbarismo
É o português
Que se repeliu


O neologismo
É uma palavra
Que não se ouviu


Já o idiotismo
É tudo que a língua
Não traduziu


Mas tem idiotismo
Também na fala
De um imbecil 

a) Nessa letra de música são atribuídos sentidos às classificações gramaticais. Escolha duas delas e explique o sentido explorado, justificando sua pertinência ou não.

b) Nas duas últimas estrofes, há um deslocamento no uso de 'idiotismo'. Explique-o.

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Questão 49302

(UNICAMP - 2011) 

Entre Luz e Fusco

Entre luz e fusco, tudo há de ser breve como esse instante. Nem durou muito a nossa despedida, foi o mais que pôde, em casa dela, na sala de visitas, antes do acender das velas; aí é que nos despedimos de uma vez. Juramos novamente que havíamos de casar um com o outro, e não foi só o aperto de mão que selou o contrato, como no quintal, foi a conjunção das nossas bocas amorosas... talvez risque isso na impressão, se até lá não pensar de outra maneira; se pensar, fica. E desde já fica, porque, em verdade, é a nossa defesa. O que o mandamento divino quer é que não juremos em vão pelo santo nome de Deus. Eu não ia mentir ao seminário, uma vez que levava um contrato feito no próprio cartório do céu. Quanto ao selo, Deus, como fez as mãos limpas, assim fez os lábios limpos, e a malícia está antes na tua cabeça perversa que na daquele casal de adolescentes... oh! minha doce companheira da meninice, eu era puro, e puro fiquei, e puro entrei na aula de S. José, a buscar de aparência a investidura sacerdotal, e antes dela a vocação. Mas a vocação eras tu, a investidura eras tu.

(Machado de Assis, Dom Casmurro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008, p. 195-196.)

 

a) Em que medida a imagem presente no título desse capítulo de Dom Casmurro define a natureza da narrativa do romance?

b) No emprego da segunda pessoa, não há coincidência do interlocutor. Indique duas marcas linguísticas que evidenciam essa não coincidência, explicitando qual é o interlocutor em cada caso.

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Questão 49303

(UNICAMP - 2011)

Poética I

De manhã, escureço
De dia, tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo


A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte. 

 

 

Outros que contem
Passo por passo
Eu morro ontem


Nasço amanhã
Ando onde há espaço
-- Meu tempo é quando.

 

 


Nova York, 1950 

(Vinicius de Moraes, Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.272.)

a) A poesia é um lugar privilegiado para constatarmos que a língua é muito mais produtiva do que preveem as normas gramaticais. Isso é particularmente visível no modo como o poema explora os marcadores temporais e espaciais. Comente dois exemplos presentes no poema que confirmem essa afirmação.

b) As duas últimas estrofes apresentam uma oposição entre o eu lírico e os outros. Explique o sentido dessa oposição.

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Questão 49304

(UNICAMP - 2011) Leia os seguintes trechos de O cortiço e Vidas secas:

O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. (...). Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulhavam os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.

(Aluísio Azevedo, O cortiço. Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 2005, p. 462.)

 

Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. (...)
- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.
Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo, fumando seu cigarro de palha.
- Um bicho, Fabiano. (...)
Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado.

(Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007, p.18-19.)

 

a) Ambos os trechos são narrados em terceira pessoa. Apesar disso, há uma diferença de pontos de vista na aproximação das personagens com o mundo animal e vegetal. Que diferença é essa?

b) Explique como essa diferença se associa à visão de mundo expressa em cada romance.

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Questão 49305

(UNICAMP - 2011) Leia a passagem seguinte, de Capitães da areia:

Pedro Bala olhou mais uma vez os homens que nas docas carregavam fardos para o navio holandês. Nas largas costas negras e mestiças brilhavam gotas de suor. Os pescoços musculosos iam curvados sob os fardos. E os guindastes rodavam ruidosamente. Um dia iria fazer uma greve como seu pai... Lutar pelo direito... Um dia um homem assim como João de Adão poderia contar a outros meninos na porta das docas a sua história, como contavam a de seu pai. Seus olhos tinham um intenso brilho na noite recém-chegada.

(Jorge Amado, Capitães da areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 88.)

a) Que consequências a descoberta de sua verdadeira origem tem para a personagem de Pedro Bala?

b) Em que medida o trecho acima pode definir o contexto literário em que foi escrito o romance de Jorge Amado?

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Questão 49306

(UNICAMP - 2011) Leia os seguintes trechos de Memórias de um sargento de milícias e Vidas secas, que descrevem o estado de ânimo das personagens ao final de uma festa:

          Acabado o fogo, tudo se pôs em andamento, levantaram-se as esteiras, espalhou-se o povo. D. Maria e sua gente puseram-se também em marcha para casa, guardando a mesma disposição com que tinham vindo. Desta vez porém Luisinha e Leonardo, não é dizer que vieram de braço, como este último tinha querido quando foram para o Campo, foram mais adiante do que isso, vieram de mãos dadas muito familiar e ingenuamente. Este ingenuamente não sabemos se se poderá com razão aplicar ao Leonardo. Conversaram por todo o caminho como se fossem dois conhecidos muito antigos, dois irmãos de infância, e tão distraídos iam que passaram à porta da casa sem parar, e já estavam muito adiante quando os sios de D. Maria os fizeram voltar. A despedida foi alegre para todos e tristíssima para os dois.

(Manuel Antonio de Almeida, Memória de um sargento de milícias. São Paulo: Ática, 2004, Capítulo XX - “O fogo no Campo”, p. 71.)

 

Baleia cochilava, de quando em quando balançava a cabeça e franzia o focinho. A cidade se enchera de suores que a desconcertavam.

Sinha Vitória enxergava, através das barracas, a cama de seu Tomás da bolandeira, uma cama de verdade.

Fabiano roncava de papo para cima, as abas do chapéu cobrindo-lhe os olhos, o quengo sobre as botinas de vaqueta. Sonhava, agoniado, e Baleia percebia nele um cheiro que o tornava irreconhecível. Fabiano se agitava, soprando. Muitos soldados amarelos tinham aparecido, pisavam-lhe os pés com enormes reiúnas e ameaçavam-no com facões terríveis. 

(Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 82-83.)

 

a) Explique as diferenças do estado de ânimo das personagens ao final dos dois episódios.

b) A partir dessa diferença, explique o significado que as duas festas têm em cada um dos romances.

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Questão 49307

(UNICAMP - 2011) Os trechos abaixo, do Auto da barca do inferno e das Memórias de um sargento de milícias, tratam, de maneira cômica, dos “pecados” de duas personagens que, cada uma a seu modo, representam uma autoridade. Leia-os com atenção e responda às questões propostas em seguida.

Frade
Ah, Corpo de Deus consagrado!
Pela fé de Jesus Cristo,
qu’eu não posso entender isto!
Eu hei-de ser condenado?
Um padre tão namorado
e tanto dado à virtude!
Assi Deus me dê saúde
que eu estou maravilhado!
Diabo
Não façamos mais detença. 
Embarcai e partiremos:
tomareis um par de remos.
Frade
Não ficou isso n’avença!
Diabo
Pois dada está já a sentença!
Frade
Par Deus! Essa seri’ela!
Não vai em tal caravela
minha senhora Florença.
Como? Por ser namorado
e folgar com ua mulher
se há um frade de se perder,
com tanto salmo rezado?
Diabo
Ora estás bem aviado!
Frade
Mas estás bem corregido!
Diabo
Devoto padre marido,
haveis de ser cá pingado... 

(Gil Vicente, Auto da barca do inferno. São Paulo: Ática, 2006, p. 35-36.)

Os leitores estão já curiosos por saber quem é ela, e têm razão; vamos já satisfazê-los. O major era pecador antigo, e no seu tempo fora daqueles de quem se diz que não deram o seu quinhão ao vigário: restava-lhe ainda hoje alguma coisa que às vezes lhe recordava o passado: essa alguma coisa era a Maria-Regalada que morava na Prainha. Maria-Regalada fora no seu tempo uma mocetona de truz, como vulgarmente se diz: era de um gênio sobremaneira folgazão, vivia em contínua alegria, ria-se de tudo, e de cada vez que se ria faziao por muito tempo e com muito gosto: daí é que vinha o apelido – regalada – que haviam juntado ao seu nome.

(Manuel Antonio de Almeida, Memória de um sargento de milícias. São Paulo: Ática, 2004, Capítulo XLV - “Empenhos”, p. 142.)

a) O que há de comum na caracterização da conduta do Frade, na peça, e do major Vidigal, no romance?

b) Que diferença entre as obras faz com que essas personagens tenham destinos distintos?

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